Médico recém-formado, Cyro
Martins foi trabalhar em Quaraí onde nascera. Atendia esses pobres que o latifúndio
empurra para as aforas das pequenas cidades da campanha. Tinha vinte e seis
anos e instado a fazer uma conferência sobre a Semana do Cobertor que as damas
da cidade realizavam em prol dos desfavorecidos decidiu tratar fundamentalmente a gente a qual se
destinavam os cobertores que estavam
sendo angariados na cidade.
Assim ele explicou a Álvaro Teixeira, numa
entrevista publicada no Universitário
de Porto Alegre, em 1981, o nascimento de uma temática que estaria presente nos
seus escritos ao longo dos ano
Evidentemente, seu olhar
realista não poderia registrar o tipo da campanha em que se inscrevia aquele
herói que dominou tantas páginas
literárias do Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai. Seu personagem é o gaúcho
que o êxodo rural reduz a uma irreversível vida de misérias. Aquele a quem Cyro
Martins chama de gaúcho a pé, eixo de
uma trilogia - Sem rumo (1937), Porteira fechada (1944), Estrada Nova (1954) - que faz a
história dessa migração do homem da campanha gaúcha em romances que tanto
quanto miméticos são dialéticos.
No último livro da trilogia,
Estrada nova, Ricardo depois de uns
anos morando em Porto Alegre, volta para o campo.O latifúndio se alastrara
ainda mais e também a falta de perspectiva para as suas vítimas.Seu pai será
uma delas. A aterra onde tinha seu rancho fora vendida e o novo dono exigia que
dela saísse. Se não tivesse para onde ir não significaria isto algo para
preocupar o recente proprietário. Que, inclusive conta com a força das leis.
O romance termina com
Janguta e a família se retirando, a pé da sede da fazenda para onde haviam
sido, arbitrariamente, levados. Deviam responder por Ricardo cujo crime fora
discutir as razões do Coronel.
Argumentara em nome dos anos
de trabalho honesto e duro do pai. Propusera um acordo mas tudo o que disse
foi se esboroando diante das tradicionais respostas dos que detém a posse das
riquezas, das leis e das palavras.
Assim de Janguta não se ouve
a voz. Quando a autoridade chega para intimá-lo e no rancho só encontra a mulher
é ela que, aterrada, consegue dizer seus motivos: Mas nós na cidade? Que horror! Calou-se uns instantes e logo explodiu, com
raiva mesmo: Mas isto é muita maldade do
Coronel Teodoro, é uma malvadeza! Eu me
sinto desnorteada. Nós sabia que
percisava sair daqui, mas não desse jeito, como criminoso. E isto que nós nunca
vamo perdoá do Coronel. Nunca saímo da campanha, seu Lobo. [...] E o sustento?
Na campanha, a gente planta ao redor da casa uma lavourinha, colhe milho,
batata, abóbora e uma vaca prá tirar leite sempre se arranja.
São, porém, razões de pobre
e que não merecem resposta. A autoridade está ali, diante dela, apenas porque
recebe ordens de quem é rico, do Coronel Teodoro :Se foi só isso, não tem crime. Mas eu vou lá, e se o cutuba velho quisé
que eu prenda o sujeito, eu prendo. Se quisé que eu estaqueie ele a meio metro
acima do chão, estaqueio também, e ligeirito.
E mais do que essa
obediência cega do representante da Lei ao que só tem o poder do dinheiro,
grassa a proteção do Banco Oficial concedendo empréstimos para a compra de
terras, a força da Igreja na defesa de seus valores, os acordos dos
correligionários.
Mas, as últimas palavras do
romance são de esperança naqueles que viriam
pela “estrada nova”, a galope, alvissareiros, cortando os campos verdes,
acordando os pagos, anunciando uma fartura de verão chuvoso, enriquecendo de
alegria o coração dos pobres!
Já se passaram cinqüenta
anos dessa esperança.













