domingo, 26 de dezembro de 1993

Esperança vã

          Médico recém-formado, Cyro Martins foi traba­lhar em Quaraí onde nascera. Atendia esses pobres que o lati­fúndio empurra para as aforas das pequenas cidades da campa­nha. Tinha vinte e seis anos e instado a fazer uma conferên­cia sobre a Semana do Cobertor que as damas da cidade reali­zavam em prol dos desfavorecidos decidiu tratar fundamentalmente a gente a qual se destinavam os cobertores que estavam sendo angariados na cidade.
 
           Assim ele explicou a Álvaro Teixeira, numa entrevista publicada no Universitário de Porto Alegre, em 1981, o nascimento de uma temática que estaria presente nos seus escritos ao longo dos ano
          Evidentemente, seu olhar realista não poderia registrar o tipo da campanha em que se inscrevia aquele herói  que dominou tantas páginas literárias do Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai. Seu personagem é o gaúcho que o êxodo rural reduz a uma irreversível vida de misérias. Aquele a quem Cyro Martins chama de gaúcho a pé, eixo de uma trilogia - Sem rumo (1937), Porteira fechada (1944), Estrada Nova (1954) - que faz a história dessa migração do homem da campanha gaúcha em romances que tanto quanto miméticos são dialéticos.
           No último livro da trilogia, Estrada nova, Ricardo depois de uns anos morando em Porto Alegre, volta para o campo.O latifúndio se alastrara ainda mais e também a falta de perspectiva para as suas vítimas.Seu pai será uma delas. A aterra onde tinha seu rancho fora vendida e o novo dono exigia que dela saísse. Se não tivesse para onde ir não significaria isto algo para preocupar o recente proprietário. Que, inclusive conta com a força das leis.
 
           O romance termina com Janguta e a família se retirando, a pé da sede da fazenda para onde haviam sido, ar­bitrariamente, levados. Deviam responder por Ricardo cujo crime fora discutir as razões do Coronel.
 
           Argumentara em nome dos anos de trabalho ho­nesto e duro do pai. Propusera um acordo mas tudo o que disse foi se esboroando diante das tradicionais respostas dos que detém a posse das riquezas, das leis e das palavras.
 
           Assim de Janguta não se ouve a voz. Quando a autoridade chega para intimá-lo e no rancho só encontra a mu­lher é ela que, aterrada, consegue dizer seus motivos:  Mas nós na cidade? Que horror!  Calou-se uns instantes e logo explodiu, com raiva mesmo: Mas isto é muita maldade do Coronel Teodoro, é uma malvadeza! Eu me sinto desnorteada. Nós sabia que percisava sair daqui, mas não desse jeito, como criminoso. E isto que nós nunca vamo perdoá do Coronel. Nunca saímo da campanha, seu Lobo. [...] E o sustento? Na campanha, a gente planta ao redor da casa uma lavourinha, colhe milho, batata, abóbora e uma vaca prá tirar leite sempre se ar­ranja.
 
           São, porém, razões de pobre e que não merecem resposta. A autoridade está ali, diante dela, apenas porque recebe ordens de quem é rico, do Coronel Teodoro :Se foi só isso, não tem crime. Mas eu vou lá, e se o cutuba velho quisé que eu prenda o sujeito, eu prendo. Se quisé que eu estaqueie ele a meio metro acima do chão, estaqueio também, e ligei­rito.
 
           E mais do que essa obediência cega do repre­sentante da Lei ao que só tem o poder do dinheiro, grassa a proteção do Banco Oficial concedendo empréstimos para a com­pra de terras, a força da Igreja na defesa de seus valores, os acordos dos correligionários.
 
           Mas, as últimas palavras do romance são de esperança naqueles que viriam pela “estrada nova”, a galope, alvissareiros, cortando os campos verdes, acordando os pagos, anunciando uma fartura de verão chuvoso, enriquecendo de ale­gria o coração dos pobres!
 
           Já se passaram cinqüenta anos dessa espe­rança.

domingo, 19 de dezembro de 1993

Oferendas

          O conto se chama “Sem rumo”. É muito breve e feito de pouco: fugidias estampas dos campos do sul e as ca­minhadas de Nilo em busca do animal perdido.
          A paisagem, no anoitecer de inverno, vai per­dendo os contornos, mas não, ainda, o agitar da vida se ex­pressando no coaxar das rãs, no vôo dos quero-queros, no cor­rer das ovelhas, na inquietação dos cavalos. E, em meio às formas que se embaciam nas sombras, cada vez mais densas, a emoção de Nilo vai ficando maior nesse medo que aumenta com a escuridão da noite.
          Caminhando nas poças d’água, no chão molhado e se enfiando na sanga, tinha procurado a Bordada por todo o piquete. E, com a noite, o medo aumentando: de apanhar de re­lho se voltasse para casa sem a vaca, de enfrentar a noite nos campos vazios.
          Querendo ajuda, enfrenta a lonjura do rancho de seu Paulo. Chega de olho vermelho de chorar, perguntando pela Bordada. E o velho repreende:  Não deste um naco de fumo pra o Negrinho, não foi?
          Expressão de uma crença que se enraizara quando já homem feito, quase velho, perdera o tobiano.
          Procurara muito e por muito tempo. Meses se haviam passado e só então ele se lembrara de deixar um naco de fumo debaixo de um espinilho, na volta da estrada. Anoi­tecia. Cavalgando no campo de lua cheia muito clara, quatro léguas depois, ele viu o tobiano. Foi um encontro de amigos: Que alegria a dos dois! O pingo espichou baixinho o pescoço, entregue. E a mão do campeiro, mestre de amanunsiar, correu pelas crinas, procurou graxa no cogote, alisou o lombo, der­rubou a fêlpa frouxa da anca, tudo como quem abraça um amigo velho.
          E seu Paulo ensina:  Toma leva este naco de fumo, dá pra ele, e sai à toa nomais, que ele reponta pra tua frente o animal perdido.
          O guri sai outra vez para a noite. Escolhe o lugar para a oferenda.  Toma, Negrinho, pra mim achá a Bor­dada e avança na noite cheia de vida: Vaga-lumes cintilavam múltiplos na noite sem estrelas. Acendiam longe as luzes mi­núsculas. Subiam trançando curvas mínimas de claridade. Demo­ravam no ar ondulando lentos. Simulavam quedas. E volviam em equilíbrio de vôo sereno para o alto, para afinal declinarem rápidos cruzando pertinho dos olhos do guri, arregalados de susto. E eram muitos, inumeráveis, para todos os lados que se virasse, como nunca tinha visto. Os grilos gritando agudo de todas as moitas. E o vozerio desigual dos sapos vindo das sangas, asperejando o barulhinho sonoro das correntezas. Eram todas as vozes dispersas do campo chegando juntas agora aos seus ouvidos, como um feixe penetrante de sons.
          Porém, para o menino, atemorizado, só existe o desejo de se livrar do escuro e chegar em casa .Pequeno drama, fio condutor da narrativa que, no entanto, é no espaço e no mítico que enovela: a paisagem, vibrante, sonora, cheia de vida, se impõe. E a lenda, revive no gesto da oferenda, na alegria do reencontro, na esperança.
          “Sem rumo” é um dos contos de Campo fora, li­vro de estréia de Cyro Martins, publicado em 1934. Sua se­gunda edição foi em 1957 para a Coleção Província da Edi­tora Globo num volume, Paz nos campos, do qual fazem parte, também Um menino vai para o colégio e Porteira fechada.
          Na pequena “Nota explicativa”, que antecede os textos, Cyro Martins diz que estes que formam Campo fora, refletem as suas vivências da infância e adolescência, passa­das nos campos de fronteira.
          São esses campos que vivem em “Sem rumo” e, assim como a lenda do Negrinho do Pastoreio, estão na sua origem.
          Os dois personagens - o velho que recebe o favor e o menino que pede lhe seja concedido achar o animal que se perdera – talvez sejam figuras menores mas habitantes de um uni­verso que Cyro Martins, numa evocação bela e sentida, recu­pera e faz outra vez existir.

domingo, 12 de dezembro de 1993

O caminho das lendas

          Passou a infância no interior do país e, ainda adolescente, foi para Montevidéu onde trabalhou como funcionário público durante trinta anos. E, lentamente, foi escrevendo o que a crítica define como valiosa contribuição à literatura nativista.
          Em 1974, Valentin Garcia Saiz morria aos oi­tenta anos, quando já se haviam passado cinco décadas da pu­blicação de seu primeiro livro Tacuari.
          Em alguns anos se seguiram Salvaje, Pilchas, Las Bóvedas, Leyendas y supersticiones del Uruguay e El nar­rador gaucho. 
          Este último, foi publicado em 1945 e reedi­tado pelo Ministério de Educação e Cultura do Uruguai em 1978. Congrega duas obras: a que lhe dá o título e uma anto­logia de contos feita pelo próprio autor.a
          El narrador gaucho que tem como sub-título novela en cuentos é feito dos relatos do tio Tucú, um índio velho [...] figura patriarcal e venerável no pago in­teiro.
          São relatos independentes entre si mas unidos por essa voz que elabora uma crônica dos costumes patriar­cais, minuciosamente registra o falar e modo de ser da gente do campo e, numa desafiante imaginação, reconstrói os causos do galpão.
          Tio Tucú vive numa fazenda em terras urugu­aias que fazem fronteira com o Brasil. Todos os dias, de tar­dezinha, chega, trazendo a lenha para o fogão. E, mal ele chega, a gurizada o rodeia, esperando a história.
          Resmungando, esquecendo ou se fazendo de es­quecido, Tio Tucú, feliz, conta e reconta, para um auditório atento que não lhe permite enganos ou qualquer mudança na história que já conhece e interpela, quando escuta, uma ou­tra, desconhecida.
          Numa tarde, encontra a gurizada em desespero pelo extravio de uma ovelhinha guacha. Para achar coisas per­didas, ele só conhece um remédio: acender uma vela para o Ne­grinho do Pastoreio, um santo remédio! E logo ele per­gunta: Nunca ouviram contar a história desse santinho tão adorado aqui no campo?
          E tomou a palavra para contar, com simplici­dade quase bíblica, o que sabia sobre o Negrinho do Pasto­reio.
          Começa se reportando à origem do Negrinho, achado no mato, perto de um arroio; aos maus tratos que rece­beu de quem o criou; ao extravio dos animais que estavam sob sua guarda e do castigo que recebeu; à pena que dele tiveram as formigas voadoras que levaram seu sofrido corpo para o céu onde foi feito, desde esse dia, um santo por Deus. O pequeno padroeiro das coisas perdidas.
          Na verdade, as variantes que existem entre essa versão de Valentin García Saiz e a de Simões Lopes Neto, explicadas pela origem popular da lenda, não atingem seus si­gnificados mais profundos.
          Assim, entre outros, essa crença numa justiça superior, que faz com que numa variante sejam as formigas que levam para o céu o corpo massacrado do Negrinho e na outra, ele seja conduzido por sua madrinha, Nossa Senhora.
          Ou seja, em ambos os casos, a solução encon­trada para a catarse foi apenas espiritual, permanecendo ig­norada a estrutura social, responsável pelo relacionamento escravo/proprietário.
          Em se tratando de uma região geográfica re­gida pelos mesmos princípios econômicos, mesmos estatutos da terra, mesmos regimes de trabalho, suas linhas oficiais de fronteira determinam uma separação artificial. Limites nega­dos por várias situações e, pela presença dos “causos”, su­perstições, provérbios, lendas que se desenvolvem indiferen­tes às barreiras nacionalistas como desconhecidos territórios do Continente.

domingo, 5 de dezembro de 1993

Olhar para o norte 2

         Carlos Fuentes é um dos poucos latino-ameri­canos que tem grande parte de sua obra traduzida para o por­tuguês. Evidentemente, isto se deve a que algumas delas foram publicadas em inúmeros países e, como é sabido, as editoras do Terceiro Mundo se guiam, muitas vezes, pelas listas dos mais vendidos em Nova Iorque o que, no seu entender, e no en­tender da maioria dos leitores, é suficiente para significar qualidade.
         Por ser filho de diplomata, Carlos Fuentes passou os seus primeiros anos em diferentes países - inclu­sive no Brasil - e, por opção pessoal, vários outros períodos fora do México.
         Mas, assim como outros escritores, que afas­tados por uma razão ou outra da América Latina, é nela, toda­via, que prendem as raízes de sua obra, Carlos Fuentes é, es­sencialmente, ligado ao México. E, se, em La campaña cabe a América inteira e em Gringo viejo o personagem central é um norte-americano, isto não significa ter se afastado de seu interesse primeiro - o México - e sim chegar a ele por outros caminhos.
         Em “Constancia”, relato que publicou junta­mente com outros sob o título Constancia y otras novelas para vírgenes (México, Fondo de Cultura Económica, 1990), o perso­nagem narrador é um médico norte-americano. Quando jovem fez estudos na Espanha de onde levou, ao voltar a seu país, uma andaluza, Constancia, o motivo de suas emoções e razão de seu relato. Mas, entre o que lhe parece necessário contar de seu relacionamento com ela ou com o imigrado russo, seu vizinho - e, talvez o não menos importante, - ele procura também, se entender ou se explicar a partir de seus compatri­otas: Um país que adora comprovar que a Declaração da Inde­pendência tem razão, que todos os homens são criados iguais e que esta igualdade [...] significa o triunfo do mais baixo denominador comum.
         Entre esse denominador, ele se reconhece: Elegemos presidente a um atrasado mental como Reagan para provar que todos os homens são iguais. Preferimos nos reco­nhecer num ignorante que fala como nós, diz as mesmas piadas, padece das mesmas amnésias, preconceitos, obsessões e distra­ções, justificando nossa vulgaridade mental.
         E torna a definir o norte-americano como um povo nômade, grosseiro, atarantado de cerveja e de televisão, incapaz de criar uma cozinha própria, dependente da minoria negra para dançar e para cantar, dependente de sua elite para falar além do grunhido.
         Sem dúvida, dramático, ou trágico, ou cômico, esse perfil de um povo que, nos nossos dias é o modelo tido como único e definitivo para os países do Terceiro Mundo onde uma parcela da população acredita que o que é bom para os norte-americanos é bom para todos.
         Entre os poucos que não se deixam iludir por essa pseudo verdade está Carlos Fuentes que, tampouco, ignora a relação que o país do Norte estabelece com aqueles do Con­tinente.
         Na conhecida “Entrevista” que ele concedeu a Emir Rodriguez Monegal, publicada no volume Homenaje a Carlos Fuentes (Madrid, 1971) ele já havia dito que o isolamento chauvinista é algo que tanto as próprias oligarquias quanto os círculos reacionários dos Estados Unidos tem um grande in­teresse que seja mantido no Continente, pois, com ele conti­nuarão o atraso, o isolamento e a sua sujeição ao Grande-Ir­mão-do-Norte.
         Certamente, “Constancia” é um relato sobre o amor, sobre a solidão, sobre a morte e seus mistérios e, tudo o mais que ele contenha seja secundário.
         Secundário, talvez, mas absolutamente neces­sário.

domingo, 28 de novembro de 1993

Olhar para o norte 1

          “Constancia”, talvez seja um relato inti­mista. A paixão de Whitby por Constancia.
          Do sul da Espanha ele a levou a Savannah, ci­dade sulista dos Estados Unidos. Nela, Constancia construiu o seu mundo onde só ela cabia e, por vezes, o marido americano.
          Não aprendeu a falar inglês, não fez amigos, não leu os livros que havia na casa, repetindo o seu ritual cotidiano de Sevilha: se expor ao sol na praça, refugiar-se numa longa sesta do calor tórrido que em agosto dominava a cidade. E, assim, reencontrando pela imaginação, a água e o sol da Andaluzia nas ruas e praças de uma cidade do Novo Con­tinente, ela deixou escoar sua vida ao lado desse americano tranquilo.
          É ele o narrador desse viver harmonioso, que durante quarenta anos, escondeu um mistério. Antes de chegar a ele e a ele se submeter, Whitby pouco tem a dizer. Daí a importância desses diálogos eventuais e bizarros que mantém com o vizinho.
          Meros acasos o aproximam de Pletnikov, o re­fugiado russo, e as palavras que eles trocam entre si - so­bretudo prudentes na tentativa de não ferir suscetibilidades - reafirmam crenças e certezas.
          Whitby, convicto de que seu país é o que um maior número de imigrantes recebeu ao longo de sua história, se surpreende com as observações do exilado russo, cuja con­dição lhe permite captar nuanças que só o viver em terra alheia possibilita. E que o faz duvidar de que, além de bem-vindo, possa, também, almejar que a sua história e as suas lembranças e seu desejo de um dia regressar a seu país sejam igualmente aceitos. E acrescenta que a história americana é seletiva demais. A história do êxito branco, o que rejeita as outras realidades; a do passado índio, a do negro, a dos his­panos. Histórias todas que sempre ficam de fora.
          Como ficam de fora da vida de Whitby, um americano tranquilo, excelente profissional que vota com os democratas, esses outros que também fazem parte de seu país: Olho raramente para os negros de Savannah; só lhes falo o indispensável.
          Mas, sua boa consciência lhe permite perceber que os edifícios nobres da cidade são o símbolo de dois co­mércios: um famoso, o outro infame: algodão e escravos; ne­gros importados, brancas fibras exportadas. Isto o que ele chama a ironia cromática dessas trocas. Uma ironia que ainda é preferível, ele considera, às culpas que, de certa maneira, o perseguem pois não deixa de se perguntar até onde pode ou deve chegar a minha responsabilidade pessoal por in­justiças que não cometi?.
          Contudo, não são questões que ele aprofunda ao preferir proteger-se pela ironia e pela inexplicável indi­ferença ao surpreender sua mulher conversando, na praça, com um negro que lhe toma uma das mãos. E, embora se trate de uma cena exacerbadamente incomum em terra preconceituosa, ele não interfere e nem questiona.
          Publicado em 1990, “Constancia” faz parte de Constancia y otras novelas para vírgenes (México, Fondo de Cultura Económica) e foi escrito por Carlos Fuentes.
          Emir Rodriguez Monegal, o crítico uruguaio, seu amigo de muitos anos ao entrevistá-lo longamente disse, no introito a essa entrevista, que a ampla visão de Carlos Fuentes sobretudo, o torna diferente dos outros intelectuais latino-americanos em geral confinados ao estímulo das tradi­ções locais
          “Constancia” é um testemunho de que  seu in­teresse pode, efetivamente, se deslocar da problemática mexi­cana - sem dúvida, sua paixão - para outras, em aparência, diferentes.
          Assim, quando se aproxima das relações norte-americanas / negro ou norte-americanas / imigrante não está, sem dúvida, se afastando das relações latino-americanas com os negros ou com os imigrantes.
          Apenas indicando outros possíveis matizes para algo que ninguém desconhece.

domingo, 21 de novembro de 1993

Tirano Banderas

          É espanhol o autor do primeiro romance sobre o ditador latino-americano, Ramón del Valle Inclán, nascido em Pontevedra, na Galícia.
          Já era autor de muitos livros quando, em 1926, ano em que a Espanha adotou a jornada de oito horas de trabalho, publica Tirano Banderas. Tinha sessenta anos e a consciência exata de que tudo o que escrevera até então, não passava de musiquinha para violino. Tirano Banderas é o pri­meiro romance que escrevo. Meu trabalho começa agora são pa­lavras suas que Francisco Madrid, ao escrever-lhe a biogra­fia, registra.
          Na verdade, a crítica reconhece Tirano Bande­ras não apenas como sua melhor obra, cuja perfeita construção interna e provocativo manejo da linguagem se aliam a uma nova e inusual temática, mas como uma obra revolucionária no pano­rama literário de seu tempo e, sem dúvida, o primeiro romance esperpêntico.
          A palavra aparece pela primeira vez em 1920 na sua obra Luces de bohemia para designar uma nova estética baseada no absurdo de uma sociedade que se desagrega, no ho­mem que perdeu toda dimensão heróica para se converter em ca­ricatura de si mesmo. Para se converter num fantoche, num esperpento (espantalho).
          É certamente possível justificar essa esté­tica a partir dos acontecimentos sociais e políticos da Espa­nha em que Valle Inclán viveu. No entanto, ao criar um espaço imaginário - Santa Fé de Tierra Firme, o território síntese que permite a existência do Tirano, Valle Inclán o situa no Continente.
          E Tirano Banderas, é tido como o livro que antecedeu aqueles que anos mais tarde criariam, na ficção, a terrível figura do ditador latino-americano: El señor presi­dente, El otoño del patriarca, El recurso del método, Yo, el supremo. Brevemente, ele retrata o ditador e dilui a sua ação em discursos proferidos por outros, pretensamente políticos e em cenas ilustrativas daquilo que pode ocorrer em regimes de tirania: as tramas, as perseguições, as mortes.
          Tirano Banderas possui o poder alcançado pe­las armas com o qual manipula as elites e aqueles que lhe garantem a permanência no mando. Como preconiza a estética do esperpento é um personagem no qual se exageram rasgos que o aproximam de uma máscara, de um fantoche, de um animal, de algo inanimado.
          Nas primeiras linhas que o mostram imóvil e taciturno é assinalada a sua semelhança com uma caveira, de óculos negros e gravata de clérico. Tendo aprendido no Peru a mascar coca, tinha sempre na comissura dos lábios, uma sa­livinha verde. E múmia o chama o narrador quando dele se trata e de cruel e vesânico, alheio aos fuzilamentos que em todos os entardeceres eliminam os revolucionários que lhe perturbam o sossego.
          E, acreditando num domínio infindo é surpre­endido pela traição ou pela verdade dos outros. Há os que de­sejam justiça social; há os que mudam de campo e há os solda­dos que atiram para cima para não provocar baixa no campo inimigo.
          Então, Tirano Banderas é encurralado e morto.
          Para assim pagar seus crimes ou maldades ou apenas para que a História do Continente continuasse a ser feita pela substituição de um tirano - qualquer que seja o seu matiz - por outro.

domingo, 14 de novembro de 1993

Ir para lugar nenhum

          A dicotomia é conhecida: os ricos, que tudo podem e os pobres, a quem tudo é negado.
          Se o romance de Cyro Martins fosse estudado segundo o modelo que o pesquisador alemão Ulrich Ricken usou para a sua análise de Diderot, o resultado não seria dife­rente. Assim como em Le neveu de Rameau, também em Porteira fechada há os que possuem muito além do necessário e os que mal tem onde viver e quase nada para pagar o pouco com que se alimentam.
          Neste romance de Cyro Martins, publicado em 1944, o contraste, muito nítido, se estabelece em vários ní­veis: alimentação, vestuário, aspecto físico dos personagens e atitudes.
          Na mesa do café da manhã da prima rica que vive na cidade, a xícara fumegante, as bolachinhas, o bolo, a manteiga, o mel e o pão só lhe provocam um olhar enfasti­ado. No outro lado da cidade, na casa paupérrima da prima chegada do campo, faltava o essencial. Enquanto uma era bo­nita e tratada, a outra se perdia nos desgastes que os maus tratos da vida originam: emagrecida, as bochechas chupadas, os olhos encovados, as maçãs do rosto proeminentes.
          Mas é, sobretudo, nas atitudes dominadoras ou submissas dos personagens que os antagonismos se exasperam, adquirindo significados que ultrapassam a ficção para se constituir numa denúncia.
          João Guedes vivia com a família em campo alheio até o dia em que a terra foi vendida e teve que aban­doná-la. Obrigado a procurar sustento na pequena ci­dade, de homem capaz e trabalhador foi se degradando até se tornar bêbado e ladrão.Ele se cala diante do dono da terra, assim como na cidade sua mulher e suas filhas se calam diante da opulência das primas.
          E o título do romance se constitui a síntese do destino de João Guedes. Deve ir embora da terra que lhe proporciona o sustento mas o caminho que empreende, que é le­vado a empreender, não tem saída.
          Fronteira fechada se inicia com sua morte, bêbado, baleado, à beira de uma sanga. Enquanto se prolonga seu velório, essa migração que o destruiu, a miséria que se instalou no seu rancho da cidade, a morte de uma filha, a fuga da outra, vai sendo contada. Outras misérias de vidas igualmente em farrapos ou de vidas que se crêem vencedoras, se acrescentam. Já no fim do romance, o quadro mimético se completa com uma nova dicotomia.
          Enterrado João Guedes no cemitério da cidade, caem os primeiros pingos de chuva, de uma chuva que continua sem trégua, cerrada, uniforme, grossa.
          No campo, onde ele vivera, o dia termina se­reno. Onde fora o seu rancho agora era um rincão despovoado. Não se avistava um vulto de campeiro, não se ouvia um latido de cachorro numa porta de toca, não tremulava um pala endo­mingado, não chiava uma carreta, os arados não rompiam a terra. Ali o novo dono engordava os seus bois, justificando o latifúndio de arames farpados e porteiras fechadas impulsi­onadoras de um êxodo sem futuro.

Porteira fechada, juntamente com Campo fora e Um menino vai para o colégio foi publicado pela se­gunda vez num volume da “Coleção Província”, Paz nos campos, da Editora Globo, Porto Alegre, 1957.

domingo, 7 de novembro de 1993

Eloy, quarenta anos depois

          Em 1945, Carlos Droguett escrevia Eloy, ro­mance baseado num fato real ocorrido três anos antes: a morte de um perseguido chileno pela polícia.
          Publicada na Espanha em 1959, seguiram-se as edições da Argentina, Chile e Cuba e as traduções para o ita­liano, alemão, dinamarquês, holandês, tcheco, polonês, fran­cês e português.
          Sem dúvida, é a obra do romancista chileno que mais interesse provocou.Inclusive, a versão cinematográ­fica, realizada em 1968.
          Embora os primeiros críticos tenham se fixado mais no assunto da obra - as últimas horas vividas pelo per­sonagem, cercado de polícias - a crítica posterior, segundo Teobaldo Noriega, iria observar que certos procedimentos nar­rativos, no momento em que a obra foi escrita, ainda eram desconhecidos no Chile.
          Mas, ainda assim, as diversas edições e os múltiplos trabalhos sobre o romance não foram suficientes para que Eloy e os demais romances de Carlos Droguett se tor­nassem conhecidos no seu país. E isto só foi acontecer, quando em 1970, ele recebeu o Prêmio Nacional de Literatura.
          Alguns anos depois, em entrevista concedida a Teobaldo Noriega, em Berna, onde se exilara depois do golpe de Estado ocorrido no Chile, comentando o significado do Prê­mio, ele diria: O Prêmio Nacional de Literatura mais do que a mim, afetou os críticos e os professores de Literatura que se viram obrigados a declarar essa data como a de meu nasci­mento.
          Na verdade, a não ser a sua “trilogia da con­quista”, Supay el cristiano, Cien gotas de sangre e docientas de sudor e El hombre que trasladaba las ciudades, todos os seus romances foram publicados fora do Chile e fora do Chile se publicaram os trabalhos dedicados a sua obra.
          Agora, na véspera dos quarenta anos da gênese de Eloy, é preparada nova edição da obra revista pelo autor.
          Escrita em quinze dias, depois de guardar du­rante três anos a emoção sentida naquela manhã em que soube que Eloy tinha sido morto pela polícia, esta revisão que efe­tua, agora, se constitui, certamente, um documento literário de enorme importância. Tanto no que se refere às modificações formais efetuadas, quanto a visão do escritor em relação a seu personagem.
          O cotejo de uma página do romance revista com a página correspondente da edição publicada em 1959 mostra que não somente foram muitas as modificações como ocorreram em diferentes níveis.
          Houve mudanças de pontuação e acréscimos de palavras e troca de palavras. Modificações que, por um lado, agilizaram o texto ao substituir, por exemplo, as conjunções aditivas por vírgulas e, por outro, intensificaram o emotivo quando as mudanças se relacionaram com os nomes.
          O que ocorreu na substituição da palavra pan­talón de niño (calça de criança) pelo seu diminutivo, panta­loncito, sugerindo uma criança menor e, portanto, tornando mais cruel a sua morte. Ou, ao substituir o adjetivo suave, que se referia à madeira da carabina por mansa, lhe confere uma qualidade (ou defeito) humana.
          O fato do romancista ter se proposto a efe­tuar a revisão de Eloy e, ao fazê-lo, sentir necessidade de tantas modificações - somente na primeira página foram dezes­seis - possui, certamente, muitos e importantes significados que a análise do cotejo dos dois textos irá mostrar.
          Mas, além dos estudos que dão prioridade à forma e daqueles que se ocupam dos procedimentos literários, da gênese dos textos e da relação do tema com o seu autor, essa nova edição de Eloy irá reafirmar a atualidade da obra. Quer no que se refere à questão do indivíduo, que diante das circunstâncias deve fazer uma opção, quer no que se refira à circunstâncias que levam o indivíduo à determinadas opções.
          Eloy era um artesão que um momento de tensão transformou em marginal e como marginal foi caçado e morto pela polícia.
          Certamente a sua história num Continente de misérias e de traumas sociais não pertence ao passado.

domingo, 31 de outubro de 1993

Fazer a Conquista 4

          Conta Carlos Droguett que houve aqueles que desejariam ficar, desejariam criar algo de estável, definitivo. Atravessaram o mar e quiseram conquistar as terras.
          Juan Nuñez de Prado saiu de Cuzco com um punhado de homens e algumas provisões para, a mando de La Gasca, governador do Peru, fundar uma cidade.
          Fundou-a e lhe deu assento três vezes. Nos documentos oficiais que registram esses feitos, constam as razões - falta de meios para se defender dos índios, deserções de espanhóis, colheitas más - incitadoras das mudanças.
          A solidão, as angústias, os temores, as dúvidas, que porventura os tenham dominado, se constituíram, no entanto, matéria tão importante para o ficcionista que séculos depois recriou essas vidas e esses caminhos, quanto os episódios que os ensejaram.
          E nessa aventura interior, em que a ficção indaga do desejo de se enraizar e dos sonhos de levantar uma cidade, há, também, o encontro com a incontestável presença do que ficou para trás: breves lembranças que por vezes trazem retalhos de vida passada; um pensar e decidir presos ao Rei e à Religião. Sobretudo, esses inúmeros objetos que, parte de suas vidas, acompanharam os conquistadores, procurando repetir, no Continente, os rituais do Velho Mundo.
          Assim, as lembranças que acodem a Juan Nuñez de Prado desse tempo em que tinha dezoito anos e ainda vivia em Badajoz: Andava solto pelo campo, falando sozinho, com desembaraço sem sofrimento, sem recordações, sem remorsos, chamando os rapazes que brincavam nas eiras, no fundo do vale, desatando a funda e mandando pedras que se afundavam no calor, no trigo, nas flores que esvoaçavam partidas...
          Assim, esse persistente laço que une o executor da vontade do Rei ao Rei que, de além mar, pelo simples desejar, comanda as duras faenas da conquista: Deus e o rei vão juntos na conquista desta terra [...] quando o rei corta um pescoço, Deus cala ou pelo menos, reza.
          Assim, esses objetos que se acumulam nas carretas que transportam a cidade de um assento para outro: portas, janelas, tabique, cadeiras, camas, livros, papéis, espadas, arcabuzes, lanças, mosquetes, pás, picaretas e roupas e móveis.
          Por vezes, das carretas caem e se espalham pelas cidades desfeitas, pelos sulcos que vão abrindo nesse trajeto em busca do definitivo, uma camisa branca de punhos de renda, o pedaço de um móvel, parte de uma porta ou janela.
          Ou, é um olhar que, alongado para o interior de uma casa, percebe parte da vida que existia através dos objetos que ainda restam, ali espalhados: quadros, roupas, borzeguins, um cinto, fivelas e botões, um baralho, mapas, pedaços de armas antigas manchadas de sangue, um pequeno martelo de prata, pratos, xícaras, colheres. E, entre colheres que não viajavam desde que embarcamos no porto escuro, espichou a mão e pegou uma colherinha muito pequena e frágil, como pregador ou enfeite, olhava para ela com curiosidade, sentindo-a grudada nos seus dedos, seguindo o contorno de sua pele e o calor de seu sangue e desejava ficar apegado nela, mexendo a xícara de chocolate ou o caldo de carne.
          Um apego a objetos, a ritos, ao que acreditavam ser indiscutíveis verdades que prendia os homens da Conquista a tudo que fora já vivido.
          Vítimas da opressiva estrutura social do Velho Mundo, atravessaram o oceano enfrentando o desconhecido, os perigos, muitas vezes, a morte.
          O romancista chileno em El hombre que trasladaba las ciudades (Noguer, 1973) imagina o drama desses homens que, desgarrados de suas raízes e ainda sem amar a terra que almejavam possuir, tampouco podiam compreender que nada significavam para aqueles que ordenavam a Conquista e lhes comandava os passos.

domingo, 24 de outubro de 1993

Fazer a Conquista 3

           Escutava o longo murmúrio da folhagem luminosa que rumorejava nas sombras, escutava ressoar as marteladas e as machadadas que faziam ranger as árvores, o suave repassar das serras ia alinhavando as árvores distantes e, de repente, no claro silencioso que deixava o traço úmido de uma árvore enorme que caía...
           Os espanhóis construíam as casas, a igreja, abriam as ruas para essa cidade que deviam erguer e que, mal terminada, já o temor do capitão Juan Nuñez de Prado obrigava a levar para mais longe onde tudo era começado outra vez.
           O lugar escolhido, as casas se erguiam. A ameaça dos espanhóis que, partindo do Chile também queriam se apoderar do que era posse da expedição de Juan Nuñez de Prado, o levava a tudo desfazer, a tudo carregar nas carretas e buscar outro lugar.
           Uma prolongada e repetida ação na qual se enovelam os sofrimentos.
           Carlos Droguett, em El hombre que trasladaba las ciudades, que, juntamente com Cien gotas de sangre y docientas de sudor e Supay el cristiano formam a sua chamada “trilogia da conquista”, ao reinventar na ficção essa presença espanhola na América, tanto reinventa o grande feito de heroísmos e vilanias, quanto o drama individual dos que os praticavam.
           Sem se afastar do que foi narrado pelos cronistas oficiais, exemplarmente fiel aos fatos por eles registrados, ao redor desse mundo que ele quis retirar dos arquivos e trazer para a vida, a sua ficção recria um cenário pujante de vida: cascatas, céus cambiantes, ventos, céu e chuva, bosques.
           Na repetitiva escrita em que é construído o romance, acompanhando o fazer e o desfazer da cidade, surgem como relâmpagos, esse ruído de golpes nos troncos, essas imagens das árvores que tombam sob o machado dos invasores: Juan Nuñez de Prado via cada um com um machado na mão, suados e pálidos, como doentes, agarrados à garrafa de vinho, atirar o rosto para trás e enquanto olhava os copos e o vento e o céu nublado, beber com verdadeira ânsia, ele sorria com ousadia, colava seu peito no tronco da árvore, lançava seu rosto, suas mãos nele, sentia o cheiro úmido, acre e doce da madeira partida, cravava mais fundo o machado e tirava um longo talho de perfume, os soldados riam felizes, via seus borzeguins se juntar na madeira, escutava os galhos rangerem...
           São leit-motifs que se incrustram na densa e bela prosa de Carlos Droguett, insistindo em fixar uma destruição tão comovente quanto aquela que atinge os homens que chegam no Continente para destruir.
           Já presente em outros de seus romances, além da inegável e harmoniosa função estilística, o leit-motif que em El hombre que trasladaba las ciudades repete esse tombar de árvores pela mão do homem possui, sem dúvida, outra função: a de não deixar esquecer que a Conquista foi feita, também, de depredação.
           E, embora, se trate de uma breve e esporádica presença, esse recurso do romancista se mostra extremamente valioso.
           Numa obra da qual emergem as emoções humanas, é surpreendentemente instigante que irrompam, também e com extremo lirismo os profundos significados do sofrimento dessas árvores destruídas.

domingo, 17 de outubro de 1993

Fazer a Conquista 2

          É a história dos primeiros passos ibéricos na Conquista. Duzentos espanhóis, sob a chefia de Juan Nuñez de Prado, penetram, em 1549, no Continente, em busca do melhor lugar para assentar a cidade de Barco. Durante dois anos abrem os caminhos que percorrem, marcando o Novo Mundo com outros símbolos e nele sendo marcados por sofrimentos que a travessia do mar não tornou diferente daqueles que viviam na Espanha.
          A história é aquela registrada pelas Crônicas da Conquista. Sobre ela, o romancista chileno Carlos Droguett escreve um dos mais surpreendentes livros da Literatura latino-americana: El hombre que trasladaba las ciudades, publicado pela Noguer de Barcelona em 1973.
          Na cristalização à qual se condena a História Oficial, a aventura de Juan Nuñez de Prado e de seus capitães emerge plena de vida.
          Num belíssimo recurso ficcional, que se diria inspirado na Pintura Impressionista, Carlos Droguett, ao fixar o efêmero, transforma esses conquistadores em extraordinárias e intemporais figuras humanas.
          Assim, um olhar que percebe a luz noturna num instrumento de metal: Via brilhar na praça, aos pés da forca, um machado enorme, de folha fina e delicada, a luz da noite nublada caía na folha e dela saíam reflexos, luzes, raios trêmulos que pintava com luz espectral os borzeguins dos soldados. Ou que vislumbra esse cavalo correndo, relinchando e saltando uma sanga para desaparecer na penumbra. Ou, essas luzes que saltando da tocha se espalhavam de pátio em pátio, de teto em teto, numa janela, e depois corriam pelo chão, se prendiam da copa de uma árvore e nela se apagavam.
          Figuras que se movem para a epopéia. Mas, num universo que permanece próximo e cotidiano porque é, também, feito da presença e das vozes dos animais domésticos trazidos da Espanha, que se alvorotam ao redor do alvoroto dos homens.
          Na cidade que desejam erguer, as vozes espanholas, nervosas e escandalizadas, solenes, despreocupadas, impacientes, vozes que murmuravam quedas ou gritavam iradas e muitas vezes se misturavam ao ladrar dos cães, ao barulho do trote dos cavalos e ao seu relinchar alegre, ao mugir dos bois arrastando as carretas e ao cacarejar das galinhas, seguindo a pista invisível das minhocas.
          Aproximar esses homens da realidade prosaica de um viver heróico que, para muitos, era somente a busca de ter o direito único de existir como gente, o que, no Velho Mundo, era negado para a maioria, não significa somente desenhar figuras ou destinos.
          Conduzidos aos trabalhos e lutas no Novo Mundo, heróis ou vilãos, eles desapareceram como indivíduos.
          Sugerir o que viam e o que escutavam é como fazê-los existir, permitindo que também sejam parte verdadeira da Conquista.

domingo, 10 de outubro de 1993

Fazer a Conquista 1

          Três meses antes que morresse, no Chile, o poeta Pablo Neruda e que Salvador Allende morresse entre os escombros bombardeados do Palácio de la Moneda era publicado, em Barcelona, um dos mais grandiosos e perfeitos romances da Literatura latino-americana: El hombre que trasladaba las ciudades.
          O Capitão Juan Nuñez de Prado, que a mando do padre La Gasca, pacificador do Peru, em 1549, penetrara no Continente americano, com duzentos homens, para assenhorar-se do território, após a fundação da cidade de Barco, temendo o ataque dos conquistadores espanhóis vindos do Chile, muda três vezes o seu assentamento. Quando, acusado de desmandos é preso, o capitão que o viera prender, tomado pela mesma paixão, efetua a quarta mudança chamando-a, porém, de Santiago del Estero.
          Registrada nas Crônicas da Conquista, é uma história retomada quase quatrocentos anos depois pelo romancista chileno Carlos Droguett que, ainda hoje, se encontra na Suiça onde se refugiou em 1975.
          Em El hombre que trasladaba las ciudades, mais do que os feitos - essa trajetória em busca da terra, das riquezas e das glórias sonhadas pelos espanhóis - que marcaram a Conquista, sobressai, como muito bem observou o professor Teobaldo Noriega ao escrever sobre os romances de Carlos Droguett, a preocupação pela tragédia interior do indivíduo: uma incursão dentro da condição humana daqueles que participaram da conquista.
          O romance, então, é feito a partir de uma ordem cronológica e de uma ordem lógica, determinada pelo fluir da consciência ou pela narrativa do personagem o que faz com que, no acontecer, se instalem vazios e ambigüidades, alucinações, pesadelos, sonhos, imagens efêmeras.
          Procedimentos usuais, inusualmente combina-dos, lhe conferem rara expressividade numa construção em que vozes múltiplas, o repetir constante e renovado de seqüências, a hiperbólica presença de adjetivos e a arquitetura de diálogos, que incorporam elementos da narrativa, funcionam como elementos renovadores.
          O terceiro capítulo do romance que se refere à terceira mudança da cidade,tem início com um vocativo - Senhor - que será repetido na metade da quinta linha e só então seguido da frase dizem que vêm soldados do Chile para te prender. Entre o primeiro vocativo e o segundo, pleonástico, inserem-se referências ao tempo da narrativa, ao espaço, ao que escutavam e viam os personagens e ao que tencionavam realizar, reduzindo o ritmo do diálogo pois, só então, o interlocutor irá responder. À sua breve resposta seguem-se adjetivos, antecedidos por negações, com que o narrador básico esclarece como ele se sentia diante da ameaça: nem triste, nem furioso, menos desesperado, nervoso ou perseguido.
          O diálogo continua, com nova frase do primeiro interlocutor, que insiste na informação: Vem para te prender, Senhor. Antes de respondê-la, o personagem, a quem dirige a palavra, o observa e percebe, então, a sua aparência envelhecida feita de cabelos grisalhos, de pele enrugada, de olhos desbotados e, por vezes, tristes. Enuncia, por sua vez, outra pequena frase que o leva a pensar no tempo transcorrido desde o momento em que o enviado de Valdivia viera, no primeiro assentamento da cidade, a fim de submetê-lo, para passar, num monólogo de sete linhas, a refletir sobre as razões que levariam os espanhóis do Chile a prendê-lo.
          Nessa narrativa que assim se alonga, como que se dilui a gravidade da ameaça e de suas conseqüências. Importa o rosto do soldado que nas lides da guerra perde a juventude; importa esse tempo transcorrido que também é perda; e, importa entender as incompreensíveis razões dos outros.
          O testemunho das Crônicas foram sobrepujados pelos recursos do narrador, fazendo emergir significados. Significados que extrapolaram esses sofridos destinos individuais da Conquista para se constituir numa outra História do Continente.

domingo, 3 de outubro de 1993

Pelos que se chamam João

          Doze dias depois da morte violenta de Salvador Allende na Casa de la Moneda, de Santiago, desaparecia Pablo Neruda. No seu enterro, forças repressivas da ditadura que acabara de se instalar no Chile, queriam impedir a manifestação dos sentimentos de um povo que sempre o homenageara em vida.
 
         Eduardo Galeano, no terceiro volume de sua trilogia Memoria del fuego, conta como o pequeno cortejo fúnebre que saíra para o cemitério, aos poucos vai crescendo: De todas as esquinas aparece gente que se põe a caminhar apesar dos caminhões militares eriçados de metralhadoras e dos guardas e soldados que vão e que vem em motocicletas e carros blindados fazendo barulho, fazendo medo. Atrás de alguma janela, a mão cumprimenta. No alto de alguma sacada, ondula um lenço. Hoje, faz doze dias do quartelaço, doze dias de calar e morrer e por primeira vez se escuta a Internacional no Chile, a Internacional murmurada, gemida, soluçada mais do que cantada até que o cortejo se faça procissão e a procissão se faça manifestação e o povo que caminha contra o medo, comece a cantar pelas ruas de Santiago a plenos pulmões, com voz inteira, para acompanhar, como se deve, ao poeta, seu poeta, na viagem final.
 
          Num dos melhores livros escritos sobre Pablo Neruda, El viajero inmovil, o crítico uruguaio Emir Rodríguez Monegal se refere a esses poemas que mal acabados de serem escritos, já eram distribuídos entre aqueles que, no momento, estavam na casa do poeta.

          Versos que passavam, então, a ser uma oferta e que na voz monocórdica de Pablo Neruda, ele nunca se recusou de recitar em fábricas, salas de aula, teatros e jardins. Porque neles também estavam o seu testemunho sobre a pobreza e as maldades e seu desejo de mudanças nessa sociedade latino-americana perversamente estratificada. Queria pão e terra para todos. E escola.
          Por isso teve que fugir muitas vezes e teve que se esconder. Por isso, em 1973, sua casa foi destruída e seu enterro controlado pelos novos donos do país.

          Mas a América que ele almejava ainda não se fez. No seu território, como que semeados à mão cheia, nascem os que se chamam Juan: os que trabalham e mal podem comer, e mal podem se tratar e mal podem estudar. Os que estão sempre em silêncio porque não sabem dizer e porque não tem a quem dizer.
 
Pablo Neruda falou de seus destinos no maltratado Continente.
Nada mudou, mas suas palavras iluminam o século.

domingo, 26 de setembro de 1993

Memórias do coronel Falcão: as lides

          Em “O regionalismo segundo Alcides Maya”, excelente artigo de Cyro Martins publicado na Zero Hora de Porto Alegre, no passado dia 11, o escritor e psicanalista gaúcho relaciona o auge do regionalismo na Literatura riograndense, que ele situa entre 1923 e 1930, com o momento político vivido entre as duas revoluções: as chispas da paixão política, alimentando uma criação literária - poemas e contos - de acentuada inclinação para a façanha.
         Exatamente como a literatura regionalista do Uruguai e da Argentina, girando em torno do gaúcho e das virtudes que lhe eram então atribuídas: a coragem, o orgulho, a rebeldia, o culto da liberdade.
         Ao escrever em 1936/37, Memórias do Coronel Falcão, publicado pela Movimento de Porto Alegre em 1974, para Aureliano de figueiredo Pinto, no entanto, o momento das crenças fora substituído por aquele em que já se delineiam outros significados.



         Assim, o personagem/narrador não mais se apresenta como o herói valente, autor de ousadas façanhas, mas como quem se submete às circunstâncias e por elas é derrotado.
         O coronel Falcão executa com maestria o trabalho campeiro mas, como patrão, recusa o elogio do subordinado; sente medo da entrevista política que deve ter com a mais alta autoridade do partido e ao estar na sua presença não se impõe, apenas se dedica a analisá-la: deixa partir a mulher por quem está apaixonado e, mais tarde, confessa, entre surpreso e despectivo que, assim como o marido, também ele fora traído por ela.
         Afastando-se desse protótipo que parece jamais temer, que enfrenta lances difíceis para se sobressair e nunca perdoa a traição feminina, ele se detém numa realidade que, na ficção regionalista foi sempre preterida em favor de atos mais afoitos e nutridos de proezas para recriar tipos profundamente humanos e solidários.
         É o velho Castro, curando as bicheiras do touro Paysandu com doçura de mão e palavras de alegre esperança: Agora, com este bruto sol quente do meio-dia, não dá pra chegar à Estância. Mas logo, com a fresca da noite e o clarão da lua, ao tranquito, você vai lá pra Cabanha, seu Paysandú. E no veranico de maio ainda vai arrumar uma porção de paysanduzinhos nas cadeiras das novilhas polpudas do gado manso”.
         São os tosadores que no estafante trabalho de manhã à noite, sol a sol, de cócoras, mal escorados, curvados, em forçada atitude, ao fim do dia ao escutar do patrão a ordem de parar, permanecem inclinados depois de terminar a tosquia do animal, que têm entre as mãos, tacitamente solidários na postura martirizante, e somente se erguem quando o último companheiro terminou a tarefa.
         Opõem-se, assim, figuras espontâneas e em acorde com o seu universo, àquelas que se degradam na perseguição do lucro e do poder que, finalmente, são as vitoriosas.
Citando Augusto Maya - o escritor nunca foge do que estava escrito dentro dele - Cyro Martins acrescenta que os fatos históricos, sobretudo as convulsões sociais, acarretam variações de tema e estilo nas literaturas.

Então, Aureliando de Figueiredo Pinto, o romancista dos campos gaúchos como o chama Carlos Jorge Appel, lembrando que nos poemas que antecederam seu romance ele havia se preocupado em mostrar os aspectos básicos da vida de campo  e não se cristaliza no saudosismo idealizador.

Afetivamente preso a sua terra - são magníficas breves referências que faz à paisagem - e a sua gente, não se impediu, porém de vê-la despida de suas históricas mistificações.

E, na linguagem que, por vezes, é feita de verdadeiros achados, no mostrar-se um conhecedor de almas, no ter sabido ver a grandeza em situações cotidianas, estão, também as razões que lhe concedem um lugar de excelência na literatura do Rio Grande do Sul.

domingo, 19 de setembro de 1993

Memórias do Coronel Falcão: o retrato

          Há vinte anos atrás é publicado pela Movimento de Porto Alegre o romance de Aureliano Figueiredo Pinto, Memórias do Coronel Falcão
          Escrito entre agosto de 1936 e março de 1937, o livro não havia, até então, sido publicado e quando isto aconteceu, seu autor já havia morrido quinze anos antes.
          A principal razão da obra ter permanecido inédita, segundo a Editora, talvez tenha sido o desejo de evitar dissabores uma vezque o período político que descreve permanecia, ainda, no tempo e na prática, muito próximo.
  
Na apresentação do romance, o professor Carlos Jorge Appel se refere às cartas de Aureliano Figueiredo Pinto  nas quais incita seu amigo Antero Marques  a escrever sobre a situação de crise do Rio Grande do Sul. Assim, Vivências de um Estudante Revolucionário de Antero Marques, publicado em 1964, é semelhante a Memórias do Coronel Falcão : a história de um fazendeiro que circunstâncias e amigos induzem à disputa de um cargo político. Um suceder de quadros da vida campeira e de episódios relacionados com a trajetória que o leva da fazenda para a Prefeitura da pequena cidade.

          Cheios de vida e de veracidade na descrição dos tipos e das situações, pontilhados de ironias e de troças, esses episódios, com certeza poderiam ter sido matéria de desagrado para os que se vêem ali retratados.
          Como Borges de Medeiros, por exemplo, cujas manhas são expostas, sem rodeios, nesse admirável episódio em que o Chefe do Governo concede uma audiência à comitiva interiorana que busca na capital do Estado sua orientação política e seu apoio.


          Chegando à Capital, a comitiva se instala no Hotel Lagache à espera do dia e hora aprazados que somente eram conseguidos depois de dias de afãs e demandas. Porque se constituia parte dos protocolos de Sua Excelência fazer esperar essa politicada que pensava que era só chegar em Porto Alegre e Falar e se queixar e resolver. Mas o chefe, conhecendo seus rebanhos deixava-os esperando até recebê-los depois de espichados dias debilitadores das resistências.

          O candidato a Prefeito, como os demais correligionários,está com medo desse momento desconhecido. Que finalmente chega ainda que retardado pela meia hora de pé, esperando. Para que os eflúvios e filtros da Suma Autoridade bem nos impregnassem as teimosias municipais. E, ainda, para deixar registrado num livro o nome, a profissão, o município de origem e o objetivo da audiência e, ainda outra vez mais quinze minutos. Para, afinal, a porta se abrir e a Comitiva entrar e distinguir um vulto de homem todo cor de neblina.

          Narrador de suas memórias, o Coronel Falcão, que nunca estivera absolutamente convencido de seu papel de coronel distrital, pode vê-lo com a lucidez que parece não existir nos demais: Esperou de pé. O fraque cor de cinza, terrivelmente oblíquo para trás. O cavanhaque grisalho, rigidamente oblíquo para diante. E, entre essas duas obliqüidades cinzentas, a reta rígida, inteiriça, daquele tronco exíguo, mas dominador, de asceta e de caudilho. Colou o braço direito ao longo da linha axilar. Prendeu o cotovelo ao flanco. E oscilou o antebraço para a frente como o resvaladio movimento de uma alavanca.

          E observa-lhe os olhos azuis inquisidores, mudando de cor e de expressão ao se deterem num ou noutro rosto antes de escutar suas palavras guias e definitivas: Absolutamente contra o jogo e a libertinagem. Sobre a mais estrita pureza de costumes. Sobre os rigores do equilíbrio orçamentário. Nada de santuário. Sequer do supérfluo. Tolerância com os adversários. E, sobretudo, ter sempre, como fim colimado, em circunstâncias quais forem, os ensinamentos de Júlio de Castilhos, consubstanciados na Carta Magna do Estado. Não tergiversar os inobscurecíveis e impostergáveis deveres partidários. Com a submissão por princípio A ordem por base. E o progresso por fim...

          O Coronel Falcão chama essas palavras de aula de moral pública e privada. E é com seriedade que repete os conceitos ouvidos. Seriedade que é, no entanto, anulada por umas poucas palavras cujo intuito pareceria ser apenas informativo: registrar o gesto que acompanhava as palavras: o dedo indicador em riste e, depois, como essas palavras eram recebidas: Ouvimos, genuflexos ao sopé da montanha.

          O gesto do falante, autoritário, incisivo. A atitude dos receptores, submissa diante da magnitude daquilo que ouviam, como se fosse as verdades das tábuas da lei. Para, logo mais, na prática, fazer exatamente o contrário como se, nem por sombra, existissem princípios norteadores.

          Evidentemente, muitos dos políticos contemporâneos de Aureliano de Figueiredo Pinto poderiam se reconhecer nos personagens do romance e nas pouco elogiáveis atitudes de alguns dentre eles.

          Ter permanecido inédito nesses anos todos poupou, então, muitos constrangimentos. Porque hoje, depois de cinqüenta e seis anos, é como se tudo não fosse mais do que uma história de ficção.



domingo, 12 de setembro de 1993

Literatura nos trilhos

          Amanhã me digo já adormecendo, vou ouvir Borges chover no molhado com a sua sempre linda chuva, conta Thiago de Mello depois de ler infinidades de entrevistas do escritor argentino, concedidas à imprensa internacional, intrigado de que sempre, e ao longo dos anos, ele trata dos mesmos assuntos, repete as mesmas frases.       
          Tal constatação não o impediu, porém, de entrevistá-lo no seu apartamento de Buenos Aires em 1981 e em 1984.
          Seis anos depois, Thiago de Mello publica essas duas entrevistas no livro Borges na luz de Borges (Pontes Editores, Campinas) em que intercala comentários, baseados em fontes relacionadas no final da obra, às perguntas e respostas. E, estas são apresentadas por temas.
          Na rubrica “Borges professor”, o entrevistado fala de sua atuação como professor de literatura inglesa, na Faculdade de Filosofia e Letras de Buenos Aires, quando aconselhava os estudantes que não se preocupassem com a bibliografia sobre o autor e sim com sua obra.
          Talvez essa afirmação ele não a tenha repetido ou repetido tanto quanto outras que fazem parte de seus temas obsessivos. Porque, se mais conhecida e incorporada tivesse sido, certamente teria modificado essas aulas de literatura em que o professor não ousa ler ou propor a leitura de autores que não tenham recebido a aprovação da crítica ou da historiografia. Sobretudo aquela pautada por parâmetros forâneos, vindos de países considerados irradiadores da cultu
            Como nem sempre os países do Primeiro Mundo julgam pertinente se debruçar sobre a produção literária do Terceiro Mundo, que lhes fica, então, desconhecida, e como os Países do Terceiro Mundo não se voltam uns para os outros e sim para o Hemisfério Norte, obras de imenso valor permanecem limitadas a seu espaço geográfico.
          Dele apenas poderão sair se descobertas por esse acadêmico ou crítico do Primeiro Mundo que, para alguns, são os únicos que detém o poder de enunciar apreciações válidas.
          Ou, se houver nos seus próprios espaços geográficos, entre os que se ocupam da literatura, aqueles cujo acervo e discernimento lhe permitam emitir opiniões e conceitos que possam levar à apreciações modificadoras sobre o que é produzido em seus respectivos universos e nos demais que fazem parte do Continente que, até para o prazeroso ato da leitura, foi e continua sendo colonizado.
          Saindo dos trilhos traçados talvez seja feita a conquista para a liberdade.