domingo, 7 de novembro de 1993

Eloy, quarenta anos depois

          Em 1945, Carlos Droguett escrevia Eloy, ro­mance baseado num fato real ocorrido três anos antes: a morte de um perseguido chileno pela polícia.
          Publicada na Espanha em 1959, seguiram-se as edições da Argentina, Chile e Cuba e as traduções para o ita­liano, alemão, dinamarquês, holandês, tcheco, polonês, fran­cês e português.
          Sem dúvida, é a obra do romancista chileno que mais interesse provocou.Inclusive, a versão cinematográ­fica, realizada em 1968.
          Embora os primeiros críticos tenham se fixado mais no assunto da obra - as últimas horas vividas pelo per­sonagem, cercado de polícias - a crítica posterior, segundo Teobaldo Noriega, iria observar que certos procedimentos nar­rativos, no momento em que a obra foi escrita, ainda eram desconhecidos no Chile.
          Mas, ainda assim, as diversas edições e os múltiplos trabalhos sobre o romance não foram suficientes para que Eloy e os demais romances de Carlos Droguett se tor­nassem conhecidos no seu país. E isto só foi acontecer, quando em 1970, ele recebeu o Prêmio Nacional de Literatura.
          Alguns anos depois, em entrevista concedida a Teobaldo Noriega, em Berna, onde se exilara depois do golpe de Estado ocorrido no Chile, comentando o significado do Prê­mio, ele diria: O Prêmio Nacional de Literatura mais do que a mim, afetou os críticos e os professores de Literatura que se viram obrigados a declarar essa data como a de meu nasci­mento.
          Na verdade, a não ser a sua “trilogia da con­quista”, Supay el cristiano, Cien gotas de sangre e docientas de sudor e El hombre que trasladaba las ciudades, todos os seus romances foram publicados fora do Chile e fora do Chile se publicaram os trabalhos dedicados a sua obra.
          Agora, na véspera dos quarenta anos da gênese de Eloy, é preparada nova edição da obra revista pelo autor.
          Escrita em quinze dias, depois de guardar du­rante três anos a emoção sentida naquela manhã em que soube que Eloy tinha sido morto pela polícia, esta revisão que efe­tua, agora, se constitui, certamente, um documento literário de enorme importância. Tanto no que se refere às modificações formais efetuadas, quanto a visão do escritor em relação a seu personagem.
          O cotejo de uma página do romance revista com a página correspondente da edição publicada em 1959 mostra que não somente foram muitas as modificações como ocorreram em diferentes níveis.
          Houve mudanças de pontuação e acréscimos de palavras e troca de palavras. Modificações que, por um lado, agilizaram o texto ao substituir, por exemplo, as conjunções aditivas por vírgulas e, por outro, intensificaram o emotivo quando as mudanças se relacionaram com os nomes.
          O que ocorreu na substituição da palavra pan­talón de niño (calça de criança) pelo seu diminutivo, panta­loncito, sugerindo uma criança menor e, portanto, tornando mais cruel a sua morte. Ou, ao substituir o adjetivo suave, que se referia à madeira da carabina por mansa, lhe confere uma qualidade (ou defeito) humana.
          O fato do romancista ter se proposto a efe­tuar a revisão de Eloy e, ao fazê-lo, sentir necessidade de tantas modificações - somente na primeira página foram dezes­seis - possui, certamente, muitos e importantes significados que a análise do cotejo dos dois textos irá mostrar.
          Mas, além dos estudos que dão prioridade à forma e daqueles que se ocupam dos procedimentos literários, da gênese dos textos e da relação do tema com o seu autor, essa nova edição de Eloy irá reafirmar a atualidade da obra. Quer no que se refere à questão do indivíduo, que diante das circunstâncias deve fazer uma opção, quer no que se refira à circunstâncias que levam o indivíduo à determinadas opções.
          Eloy era um artesão que um momento de tensão transformou em marginal e como marginal foi caçado e morto pela polícia.
          Certamente a sua história num Continente de misérias e de traumas sociais não pertence ao passado.

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