domingo, 21 de novembro de 1993

Tirano Banderas

          É espanhol o autor do primeiro romance sobre o ditador latino-americano, Ramón del Valle Inclán, nascido em Pontevedra, na Galícia.
          Já era autor de muitos livros quando, em 1926, ano em que a Espanha adotou a jornada de oito horas de trabalho, publica Tirano Banderas. Tinha sessenta anos e a consciência exata de que tudo o que escrevera até então, não passava de musiquinha para violino. Tirano Banderas é o pri­meiro romance que escrevo. Meu trabalho começa agora são pa­lavras suas que Francisco Madrid, ao escrever-lhe a biogra­fia, registra.
          Na verdade, a crítica reconhece Tirano Bande­ras não apenas como sua melhor obra, cuja perfeita construção interna e provocativo manejo da linguagem se aliam a uma nova e inusual temática, mas como uma obra revolucionária no pano­rama literário de seu tempo e, sem dúvida, o primeiro romance esperpêntico.
          A palavra aparece pela primeira vez em 1920 na sua obra Luces de bohemia para designar uma nova estética baseada no absurdo de uma sociedade que se desagrega, no ho­mem que perdeu toda dimensão heróica para se converter em ca­ricatura de si mesmo. Para se converter num fantoche, num esperpento (espantalho).
          É certamente possível justificar essa esté­tica a partir dos acontecimentos sociais e políticos da Espa­nha em que Valle Inclán viveu. No entanto, ao criar um espaço imaginário - Santa Fé de Tierra Firme, o território síntese que permite a existência do Tirano, Valle Inclán o situa no Continente.
          E Tirano Banderas, é tido como o livro que antecedeu aqueles que anos mais tarde criariam, na ficção, a terrível figura do ditador latino-americano: El señor presi­dente, El otoño del patriarca, El recurso del método, Yo, el supremo. Brevemente, ele retrata o ditador e dilui a sua ação em discursos proferidos por outros, pretensamente políticos e em cenas ilustrativas daquilo que pode ocorrer em regimes de tirania: as tramas, as perseguições, as mortes.
          Tirano Banderas possui o poder alcançado pe­las armas com o qual manipula as elites e aqueles que lhe garantem a permanência no mando. Como preconiza a estética do esperpento é um personagem no qual se exageram rasgos que o aproximam de uma máscara, de um fantoche, de um animal, de algo inanimado.
          Nas primeiras linhas que o mostram imóvil e taciturno é assinalada a sua semelhança com uma caveira, de óculos negros e gravata de clérico. Tendo aprendido no Peru a mascar coca, tinha sempre na comissura dos lábios, uma sa­livinha verde. E múmia o chama o narrador quando dele se trata e de cruel e vesânico, alheio aos fuzilamentos que em todos os entardeceres eliminam os revolucionários que lhe perturbam o sossego.
          E, acreditando num domínio infindo é surpre­endido pela traição ou pela verdade dos outros. Há os que de­sejam justiça social; há os que mudam de campo e há os solda­dos que atiram para cima para não provocar baixa no campo inimigo.
          Então, Tirano Banderas é encurralado e morto.
          Para assim pagar seus crimes ou maldades ou apenas para que a História do Continente continuasse a ser feita pela substituição de um tirano - qualquer que seja o seu matiz - por outro.

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