“Constancia”, talvez seja um
relato intimista. A paixão de Whitby por Constancia.
Do sul da Espanha ele a
levou a Savannah, cidade sulista dos Estados Unidos. Nela, Constancia
construiu o seu mundo onde só ela cabia e, por vezes, o marido americano.
Não aprendeu a falar inglês,
não fez amigos, não leu os livros que havia na casa, repetindo o seu ritual
cotidiano de Sevilha: se expor ao sol na praça, refugiar-se numa longa sesta do
calor tórrido que em agosto dominava a cidade. E, assim, reencontrando pela
imaginação, a água e o sol da Andaluzia nas ruas e praças de uma cidade do Novo
Continente, ela deixou escoar sua vida ao lado desse americano tranquilo.
É ele o narrador desse viver
harmonioso, que durante quarenta anos, escondeu um mistério. Antes de chegar a
ele e a ele se submeter, Whitby pouco tem a dizer. Daí a importância desses
diálogos eventuais e bizarros que mantém com o vizinho.
Meros acasos o aproximam de
Pletnikov, o refugiado russo, e as palavras que eles trocam entre si - sobretudo
prudentes na tentativa de não ferir suscetibilidades - reafirmam crenças e
certezas.
Whitby, convicto de que seu
país é o que um maior número de imigrantes recebeu ao longo de sua história, se
surpreende com as observações do exilado russo, cuja condição lhe permite
captar nuanças que só o viver em terra alheia possibilita. E que o faz duvidar
de que, além de bem-vindo, possa,
também, almejar que a sua história e as suas lembranças e seu desejo de um dia
regressar a seu país sejam igualmente aceitos. E acrescenta que a
história americana é seletiva demais. A história do êxito branco, o que rejeita
as outras realidades; a do passado índio, a do negro, a dos hispanos.
Histórias todas que sempre ficam de fora.
Como ficam de fora da vida
de Whitby, um americano tranquilo, excelente profissional que vota com os
democratas, esses outros que também fazem parte de seu país: Olho raramente para os negros de Savannah;
só lhes falo o indispensável.
Mas, sua boa consciência lhe
permite perceber que os edifícios nobres da cidade são o símbolo de dois comércios:
um famoso, o outro infame: algodão e
escravos; negros importados, brancas fibras exportadas. Isto o que ele chama a ironia cromática dessas trocas. Uma ironia que ainda é preferível,
ele considera, às culpas que, de certa maneira, o perseguem pois não deixa de
se perguntar até onde pode ou deve chegar
a minha responsabilidade pessoal por injustiças que não cometi?.
Contudo, não são questões
que ele aprofunda ao preferir proteger-se pela ironia e pela inexplicável indiferença
ao surpreender sua mulher conversando, na praça, com um negro que lhe toma uma
das mãos. E, embora se trate de uma cena exacerbadamente incomum em terra
preconceituosa, ele não interfere e nem questiona.
Publicado em 1990,
“Constancia” faz parte de Constancia y
otras novelas para vírgenes (México, Fondo de Cultura Económica) e foi
escrito por Carlos Fuentes.
Emir Rodriguez Monegal, o
crítico uruguaio, seu amigo de muitos anos ao entrevistá-lo longamente disse,
no introito a essa entrevista, que a ampla visão de Carlos Fuentes sobretudo, o
torna diferente dos outros intelectuais latino-americanos em geral confinados
ao estímulo das tradições locais
“Constancia” é um testemunho
de que seu interesse pode, efetivamente, se deslocar da problemática mexicana
- sem dúvida, sua paixão - para outras, em aparência, diferentes.
Assim, quando se aproxima
das relações norte-americanas / negro ou norte-americanas / imigrante não está,
sem dúvida, se afastando das relações latino-americanas com os negros ou com os
imigrantes.
Apenas indicando outros
possíveis matizes para algo que ninguém desconhece.
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