domingo, 5 de dezembro de 1993

Olhar para o norte 2

         Carlos Fuentes é um dos poucos latino-ameri­canos que tem grande parte de sua obra traduzida para o por­tuguês. Evidentemente, isto se deve a que algumas delas foram publicadas em inúmeros países e, como é sabido, as editoras do Terceiro Mundo se guiam, muitas vezes, pelas listas dos mais vendidos em Nova Iorque o que, no seu entender, e no en­tender da maioria dos leitores, é suficiente para significar qualidade.
         Por ser filho de diplomata, Carlos Fuentes passou os seus primeiros anos em diferentes países - inclu­sive no Brasil - e, por opção pessoal, vários outros períodos fora do México.
         Mas, assim como outros escritores, que afas­tados por uma razão ou outra da América Latina, é nela, toda­via, que prendem as raízes de sua obra, Carlos Fuentes é, es­sencialmente, ligado ao México. E, se, em La campaña cabe a América inteira e em Gringo viejo o personagem central é um norte-americano, isto não significa ter se afastado de seu interesse primeiro - o México - e sim chegar a ele por outros caminhos.
         Em “Constancia”, relato que publicou junta­mente com outros sob o título Constancia y otras novelas para vírgenes (México, Fondo de Cultura Económica, 1990), o perso­nagem narrador é um médico norte-americano. Quando jovem fez estudos na Espanha de onde levou, ao voltar a seu país, uma andaluza, Constancia, o motivo de suas emoções e razão de seu relato. Mas, entre o que lhe parece necessário contar de seu relacionamento com ela ou com o imigrado russo, seu vizinho - e, talvez o não menos importante, - ele procura também, se entender ou se explicar a partir de seus compatri­otas: Um país que adora comprovar que a Declaração da Inde­pendência tem razão, que todos os homens são criados iguais e que esta igualdade [...] significa o triunfo do mais baixo denominador comum.
         Entre esse denominador, ele se reconhece: Elegemos presidente a um atrasado mental como Reagan para provar que todos os homens são iguais. Preferimos nos reco­nhecer num ignorante que fala como nós, diz as mesmas piadas, padece das mesmas amnésias, preconceitos, obsessões e distra­ções, justificando nossa vulgaridade mental.
         E torna a definir o norte-americano como um povo nômade, grosseiro, atarantado de cerveja e de televisão, incapaz de criar uma cozinha própria, dependente da minoria negra para dançar e para cantar, dependente de sua elite para falar além do grunhido.
         Sem dúvida, dramático, ou trágico, ou cômico, esse perfil de um povo que, nos nossos dias é o modelo tido como único e definitivo para os países do Terceiro Mundo onde uma parcela da população acredita que o que é bom para os norte-americanos é bom para todos.
         Entre os poucos que não se deixam iludir por essa pseudo verdade está Carlos Fuentes que, tampouco, ignora a relação que o país do Norte estabelece com aqueles do Con­tinente.
         Na conhecida “Entrevista” que ele concedeu a Emir Rodriguez Monegal, publicada no volume Homenaje a Carlos Fuentes (Madrid, 1971) ele já havia dito que o isolamento chauvinista é algo que tanto as próprias oligarquias quanto os círculos reacionários dos Estados Unidos tem um grande in­teresse que seja mantido no Continente, pois, com ele conti­nuarão o atraso, o isolamento e a sua sujeição ao Grande-Ir­mão-do-Norte.
         Certamente, “Constancia” é um relato sobre o amor, sobre a solidão, sobre a morte e seus mistérios e, tudo o mais que ele contenha seja secundário.
         Secundário, talvez, mas absolutamente neces­sário.

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