domingo, 26 de dezembro de 1993

Esperança vã

          Médico recém-formado, Cyro Martins foi traba­lhar em Quaraí onde nascera. Atendia esses pobres que o lati­fúndio empurra para as aforas das pequenas cidades da campa­nha. Tinha vinte e seis anos e instado a fazer uma conferên­cia sobre a Semana do Cobertor que as damas da cidade reali­zavam em prol dos desfavorecidos decidiu tratar fundamentalmente a gente a qual se destinavam os cobertores que estavam sendo angariados na cidade.
 
           Assim ele explicou a Álvaro Teixeira, numa entrevista publicada no Universitário de Porto Alegre, em 1981, o nascimento de uma temática que estaria presente nos seus escritos ao longo dos ano
          Evidentemente, seu olhar realista não poderia registrar o tipo da campanha em que se inscrevia aquele herói  que dominou tantas páginas literárias do Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai. Seu personagem é o gaúcho que o êxodo rural reduz a uma irreversível vida de misérias. Aquele a quem Cyro Martins chama de gaúcho a pé, eixo de uma trilogia - Sem rumo (1937), Porteira fechada (1944), Estrada Nova (1954) - que faz a história dessa migração do homem da campanha gaúcha em romances que tanto quanto miméticos são dialéticos.
           No último livro da trilogia, Estrada nova, Ricardo depois de uns anos morando em Porto Alegre, volta para o campo.O latifúndio se alastrara ainda mais e também a falta de perspectiva para as suas vítimas.Seu pai será uma delas. A aterra onde tinha seu rancho fora vendida e o novo dono exigia que dela saísse. Se não tivesse para onde ir não significaria isto algo para preocupar o recente proprietário. Que, inclusive conta com a força das leis.
 
           O romance termina com Janguta e a família se retirando, a pé da sede da fazenda para onde haviam sido, ar­bitrariamente, levados. Deviam responder por Ricardo cujo crime fora discutir as razões do Coronel.
 
           Argumentara em nome dos anos de trabalho ho­nesto e duro do pai. Propusera um acordo mas tudo o que disse foi se esboroando diante das tradicionais respostas dos que detém a posse das riquezas, das leis e das palavras.
 
           Assim de Janguta não se ouve a voz. Quando a autoridade chega para intimá-lo e no rancho só encontra a mu­lher é ela que, aterrada, consegue dizer seus motivos:  Mas nós na cidade? Que horror!  Calou-se uns instantes e logo explodiu, com raiva mesmo: Mas isto é muita maldade do Coronel Teodoro, é uma malvadeza! Eu me sinto desnorteada. Nós sabia que percisava sair daqui, mas não desse jeito, como criminoso. E isto que nós nunca vamo perdoá do Coronel. Nunca saímo da campanha, seu Lobo. [...] E o sustento? Na campanha, a gente planta ao redor da casa uma lavourinha, colhe milho, batata, abóbora e uma vaca prá tirar leite sempre se ar­ranja.
 
           São, porém, razões de pobre e que não merecem resposta. A autoridade está ali, diante dela, apenas porque recebe ordens de quem é rico, do Coronel Teodoro :Se foi só isso, não tem crime. Mas eu vou lá, e se o cutuba velho quisé que eu prenda o sujeito, eu prendo. Se quisé que eu estaqueie ele a meio metro acima do chão, estaqueio também, e ligei­rito.
 
           E mais do que essa obediência cega do repre­sentante da Lei ao que só tem o poder do dinheiro, grassa a proteção do Banco Oficial concedendo empréstimos para a com­pra de terras, a força da Igreja na defesa de seus valores, os acordos dos correligionários.
 
           Mas, as últimas palavras do romance são de esperança naqueles que viriam pela “estrada nova”, a galope, alvissareiros, cortando os campos verdes, acordando os pagos, anunciando uma fartura de verão chuvoso, enriquecendo de ale­gria o coração dos pobres!
 
           Já se passaram cinqüenta anos dessa espe­rança.

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