Lembranças do passado
contadas tantas vezes quanto necessário seja
para repetir a emoção de um momento. E comprendendo, perdoando ou até
perseguindo as variações, as omissões, as mentiras. Um tema, sem dúvida,
fascinante.
É uma voz feminina de jovem
mulher. Após anos de ausência, aquela que narra, retorna à cidade onde passou a
infância. Seus pontos de referência se perderam. Na verdade, ela não volta em
busca do passado, mas para que o marido conheça esse mundo em que, menina, foi
descobrindo coisas.
Por acaso, eles tem acesso a
uma velha casa vazia. Suas lembranças afloram - risíveis, gentis, inconsequentes
- e essa meninice que, então, torna a existir, emerge também para o marido. Ele
toma posse de um mundo feito só de palavras - portanto cambiante - pois quem as
profere, ao contar para os amigos sua aventura de revisitar o passado, acrescenta-lhe detalhes que não ocorreram.
Ulalume González de León
publicou seu conto “Intercambios”, com outros onze, no livro A cada rato lunes, em 1970, pela
chancela da Joaquin Mortiz, do México.

Nascida em Montevidéu, de pai diplomata, fez seus estudos em Paris e foi viver no México.Tradutora, ensaísta, como autora de ficção se expressa numa prosa espontânea e clara e luminosa que sugere distância com o sombrio que predomina no Continente.
Em “Intercambio” é o reencontro de alguém com aquele ser que fora quinze anos antes e que duas voltas de chave na porta da casa que desejara ver, bastam para que lhe nasçam as lembranças.Fixadas em detalhes que reconstroem a velha casa, elas narram aventuras infantis, estreitamente ligadas a um espaço que perdera seus contornos para se refazer em outro.
Mais tarde, a narradora inventaria lembranças ligadas a imagens de ambas as casas: a verdadeira, onde transcorreu sua infância e a que visitou e que lhe fez reviver essa infância e outra vez recriá-la .
A estrita verdade dos fatos
ou a importância deles não é, para a narradora, essencial. Pois não é de pretensos
fatos inesquecíveis que se faz o passado. Um
besouro com as asas quebradas sobre
uma folha seca pode dar sentido a um determinado dia. E se essa lembrança
for amada, ela permanecerá viva.
“Intercambio” é um breve conto
que brinca de reconstruir um universo fechado - os espaços, os jogos infantis,
as lembranças - que se basta a si mesmo. Uma expressão que se volta apenas para
a sua própria realidade, ainda que inventada, e que, talvez, tenha também
outros significados.
Porque nem todos tem a
coragem ou se sentem no dever de encarar o que se passa além de seu jardim.
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