Após sintetizar e apreciar
cada capítulo de O avesso da memória
(José Olympio, 1993) de Luciano Figueiredo a professora Laura de Mello e Souza,
com a autoridade que seus conhecimentos sobre o assunto lhe conferem, conclui
que se trata de uma obra que mostra ser possível
esmiuçar práticas cotidianas sem perder de vista o contexto em que se engastaram,
harmonizando a micro-história com a análise mais globalizante.
E, certamente o sub-título -
Cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII - ao indicar os
limites do trabalho não deixa, também, de sugerir prováveis relações com
outras disciplinas.
Partindo de fontes originais
e inéditas e de interpretações tradicionais da historiografia nacional, o autor
desbrava caminhos numa área que permaneceu, muito tempo, estratificada: a
imutável identificação da mulher. Ou como branca, pertencente à elite econômica e acomodada
no interior da casa-grande; ou como negra e mulata, liberta ou escrava pobre,
subordinada essencialmente à práticas sexuais para garantir a sobrevivência.
É um universo de injustiças
e crueldades, revelado no cotidiano das escravas e forras dedicadas ao comércio
ambulante que lhes enseja a prostituição.
Escravas, elas entregam o
que auferem do comércio do próprio corpo para o seu proprietário. Forras, são
impelidas à prostituição diante da impossibilidade de outras fontes de renda.
Passa, então, a ser aceitável para elas o que é condenado pela Instituição
Civil e pelo Clero.
E, filhas exerciam a
prostituição para sustentarem os pais e não se negavam a exercê-la, também,
esposas e irmãs.
Vivendo numa sociedade iníqua e desigual, essas mulheres tiveram de
deixar de lado os pruridos morais para poderem sobreviver diz, num de seus
trabalhos, a professora Laura de Mello e Souza. Palavras que Luciano Figueiredo
cita ao se adentrar no dia a dia dessas mulheres que vivem nas Gerais do
século XVIII.
E, revelava-se, então, que
se trata de um drama bem mais abrangente pois nele cabe toda essa sociedade
regida pelo colonialismo usurpador. Economicamente pobre e sem saída - todo um
contingente humano em busca de condições de vida - a sua estrutura possibilita,
apenas a uns poucos, o usufruto de riquezas ou de bem estar.
Então, estudando o papel da
mulher - sempre tido como secundário - dessa época, Luciano Figueiredo, como
ele mesmo diz, fez mais do que um exercício de história. Tanto pelo material
com que trabalha (muito do qual é inédito), quanto pelas reflexões que esse
material origina, ele proporciona condições para que muitas questões possam vir
a serem revistas.
E inovar nas linhas de
pesquisa e abrir, com isso, caminhos que possam auxiliar o avanço de outros
estudos é realmente imprescindível. Sobretudo, num país que pouco tem
questionado suas verdades.
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