domingo, 23 de janeiro de 1994

Guilhermino César: In memoriam

          A Indesejada das gentes, assim a chamou Gui­lhermino Cesar, em janeiro de 1984, quando ela veio em busca de Ligia Morrone Averbuck.A intelectual gaúcha morria aos quarenta e três anos, deixando inconclusa sua tese de doutoramento. Gui­lhermino Cesar dedicou-lhe um artigo no “Letras e Livros” do Correio do Povo, em que louva o extraordinário trabalho que ela realizara à frente do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul e suas qualidades como pesquisadora.
 
          Dez anos se passaram e, agora, neste último dezembro, foi sua vez: a Indesejada das gentes levou-o aos oitenta e cinco anos, a maior parte dos quais passados no Rio Grande do Sul onde chegou vindo de Minas Gerais, em setembro de 1943.
 
          E o Rio Grande teve, então, o privilégio de usufruir nesses anos todos do impecável, entusiasta e brilhante trabalho intelectual de Guilhermino Cesar, que não se limitou à publicação de uma vintena de livros mas a essa constante presença no suplemento cultural do Correio do Povo de Porto Alegre.
 
          Presença do poeta - o magnífico “Já desço” foi publicado em 26 de março de 1983; presença de um articu­lista de muitos interesses mas voltado, sobretudo, para a Li­teratura e para a História do Rio Grande do Sul.
 
          Artigos que não se constituem apenas fontes de informação ou de interpretações críticas como refletem as preocupações de um professor e de um pesquisador que pensa e que trabalha, acreditando que na Universidade assim é que deve ser.
 
          Como pesquisador, Guilhermino Cesar parte das fontes primárias que, no Brasil, nunca foram suficientemente estudadas; como crítico se aproxima, somente, das obras que lhe proporcionam prazer: Nunca li para não gostar. Leio, ao contrário, para gostar, para compreender e louvar a obra alheia, escreveu em 23 de julho de 1983.
 
          E, assim procede, elogiando as obras que lhe agradam, ainda que esquecidas ou ignoradas pelos críticos e pela mídia e, calando sobre as que não o emocionam.
 
          Como professor, porém, não perdoa essa crí­tica que define como palavrosa que a nada conduz e esse im­portado tecnicismo pedante que substitui o ensino guiado pela emoção.
 
          O seu confessar preferir sempre ao invés do alienígena tudo quanto venha marcado antes de mais nada por expressão afetiva nossa esteve coerente com as pesquisas e trabalhos que realizou. Era fervilhante de idéias e dominado por um contínuo desejo de abrir caminhos para futuros estu­dos. E aos seus artigos cabem o que uma vez disse sobre as crônicas de Rubem Braga: são um ato necessário.
 
          Em novembro de 1983, ao fazer o necrológio de seu amigo o pesquisador gaúcho Abeillard Vaz Dias Barreto, também se referiu à morte como à “Indesejada das Gentes”, aquela que não perdoa a ninguém; e vai ceifando sem parar, aqui e ali, talvez com o intuito de nos lembrar que a cláu­sula final não é um castigo, mas um prêmio.
 
          Como todo mortal, ao prêmio e ao castigo ele se submeteu. Mas dele ficaram vivos, os versos e as palavras. Rastros luminosos prolongando o seu viver.

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