Passou a infância no
interior do país e, ainda adolescente, foi para Montevidéu onde trabalhou como
funcionário público durante trinta anos. E, lentamente, foi escrevendo o que a
crítica define como valiosa contribuição à literatura nativista.
Em 1974, Valentin Garcia
Saiz morria aos oitenta anos, quando já se haviam passado cinco décadas da publicação
de seu primeiro livro Tacuari.
Em alguns anos se seguiram Salvaje, Pilchas, Las Bóvedas, Leyendas y supersticiones del Uruguay e
El narrador gaucho.
Este último, foi publicado
em 1945 e reeditado pelo Ministério de Educação e Cultura do Uruguai em 1978.
Congrega duas obras: a que lhe dá o título e uma antologia de contos feita
pelo próprio autor.a
El narrador gaucho que tem como sub-título novela
en cuentos é feito dos relatos do tio Tucú, um índio velho [...] figura patriarcal e venerável no pago inteiro.
São relatos independentes
entre si mas unidos por essa voz que elabora uma crônica dos costumes patriarcais,
minuciosamente registra o falar e modo de ser da gente do campo e, numa desafiante
imaginação, reconstrói os causos do galpão.
Tio Tucú vive numa fazenda
em terras uruguaias que fazem fronteira com o Brasil. Todos os dias, de tardezinha,
chega, trazendo a lenha para o fogão. E, mal ele chega, a gurizada o rodeia,
esperando a história.
Resmungando, esquecendo ou
se fazendo de esquecido, Tio Tucú, feliz, conta e reconta, para um auditório
atento que não lhe permite enganos ou qualquer mudança na história que já
conhece e interpela, quando escuta, uma outra, desconhecida.
Numa tarde, encontra a
gurizada em desespero pelo extravio de uma ovelhinha guacha. Para achar coisas
perdidas, ele só conhece um remédio: acender uma vela para o Negrinho do
Pastoreio, um santo remédio! E logo
ele pergunta: Nunca ouviram contar a
história desse santinho tão adorado aqui no campo?
E tomou a palavra para
contar, com simplicidade quase bíblica, o que sabia sobre o
Negrinho do Pastoreio.
Começa se reportando à
origem do Negrinho, achado no mato, perto de um arroio; aos maus tratos que
recebeu de quem o criou; ao extravio dos animais que estavam sob sua guarda e
do castigo que recebeu; à pena que dele tiveram as formigas voadoras que
levaram seu sofrido corpo para o céu onde foi feito, desde esse dia, um santo
por Deus. O pequeno padroeiro das coisas perdidas.
Na verdade, as variantes que
existem entre essa versão de Valentin García Saiz e a de Simões Lopes Neto,
explicadas pela origem popular da lenda, não atingem seus significados mais
profundos.
Assim, entre outros, essa
crença numa justiça superior, que faz com que numa variante sejam as formigas
que levam para o céu o corpo massacrado do Negrinho e na outra, ele seja
conduzido por sua madrinha, Nossa Senhora.
Ou seja, em ambos os casos,
a solução encontrada para a catarse foi apenas espiritual, permanecendo ignorada
a estrutura social, responsável pelo relacionamento escravo/proprietário.
Em se tratando de uma região
geográfica regida pelos mesmos princípios econômicos, mesmos estatutos da
terra, mesmos regimes de trabalho, suas linhas oficiais de fronteira determinam
uma separação artificial. Limites negados por várias situações e, pela presença
dos “causos”, superstições, provérbios, lendas que se desenvolvem indiferentes
às barreiras nacionalistas como desconhecidos territórios do Continente.
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