Conta Carlos Droguett que
houve aqueles que desejariam ficar, desejariam criar algo de estável,
definitivo. Atravessaram o mar e quiseram conquistar as terras.
Juan Nuñez de Prado saiu de
Cuzco com um punhado de homens e algumas provisões para, a mando de La Gasca,
governador do Peru, fundar uma cidade.
Fundou-a e lhe deu assento
três vezes. Nos documentos oficiais que registram esses feitos, constam as
razões - falta de meios para se defender dos índios, deserções de espanhóis,
colheitas más - incitadoras das mudanças.
A solidão, as angústias, os
temores, as dúvidas, que porventura os tenham dominado, se constituíram, no
entanto, matéria tão importante para o ficcionista que séculos depois recriou
essas vidas e esses caminhos, quanto os episódios que os ensejaram.
E nessa aventura interior,
em que a ficção indaga do desejo de se enraizar e dos sonhos de levantar uma
cidade, há, também, o encontro com a incontestável presença do que ficou para
trás: breves lembranças que por vezes trazem retalhos de vida passada; um
pensar e decidir presos ao Rei e à Religião. Sobretudo, esses inúmeros objetos
que, parte de suas vidas, acompanharam os conquistadores, procurando repetir,
no Continente, os rituais do Velho Mundo.
Assim, as lembranças que
acodem a Juan Nuñez de Prado desse tempo em que tinha dezoito anos e ainda
vivia em Badajoz: Andava solto pelo
campo, falando sozinho, com desembaraço sem sofrimento, sem recordações, sem
remorsos, chamando os rapazes que brincavam nas eiras, no fundo do vale,
desatando a funda e mandando pedras que se afundavam no calor, no trigo, nas flores
que esvoaçavam partidas...
Assim, esse persistente laço
que une o executor da vontade do Rei ao Rei que, de além mar, pelo simples
desejar, comanda as duras faenas da conquista: Deus e o rei vão juntos na
conquista desta terra [...] quando o rei corta um pescoço, Deus cala ou pelo
menos, reza.
Assim, esses objetos que se
acumulam nas carretas que transportam a cidade de um assento para outro:
portas, janelas, tabique, cadeiras, camas, livros, papéis, espadas, arcabuzes,
lanças, mosquetes, pás, picaretas e roupas e móveis.
Por vezes, das carretas caem
e se espalham pelas cidades desfeitas, pelos sulcos que vão abrindo nesse
trajeto em busca do definitivo, uma camisa branca de punhos de renda, o pedaço
de um móvel, parte de uma porta ou janela.
Ou, é um olhar que, alongado
para o interior de uma casa, percebe parte da vida que existia através dos
objetos que ainda restam, ali espalhados: quadros, roupas, borzeguins, um
cinto, fivelas e botões, um baralho, mapas, pedaços de armas antigas manchadas
de sangue, um pequeno martelo de prata, pratos, xícaras, colheres. E, entre colheres que não viajavam desde que
embarcamos no porto escuro, espichou a mão e pegou uma colherinha muito pequena e frágil, como pregador ou enfeite,
olhava para ela com curiosidade, sentindo-a grudada nos seus dedos, seguindo o
contorno de sua pele e o calor de seu sangue e desejava ficar apegado nela,
mexendo a xícara de chocolate ou o caldo de carne.
Um apego a objetos, a ritos,
ao que acreditavam ser indiscutíveis verdades que prendia os homens da
Conquista a tudo que fora já vivido.
Vítimas da opressiva
estrutura social do Velho Mundo, atravessaram o oceano enfrentando o desconhecido,
os perigos, muitas vezes, a morte.
O romancista chileno em El hombre que trasladaba las ciudades
(Noguer, 1973) imagina o drama desses homens que, desgarrados de suas raízes e
ainda sem amar a terra que almejavam possuir, tampouco podiam compreender que
nada significavam para aqueles que ordenavam a Conquista e lhes comandava os
passos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário