Escutava o longo murmúrio da folhagem luminosa que rumorejava nas
sombras, escutava ressoar as marteladas e as machadadas que faziam ranger as
árvores, o suave repassar das serras ia alinhavando as árvores distantes e, de
repente, no claro silencioso que deixava o traço úmido de uma árvore enorme que
caía...
Os espanhóis construíam as
casas, a igreja, abriam as ruas para essa cidade que deviam erguer e que, mal
terminada, já o temor do capitão Juan Nuñez de Prado obrigava a levar para mais
longe onde tudo era começado outra vez.
O lugar escolhido, as casas
se erguiam. A ameaça dos espanhóis que, partindo do Chile também queriam se
apoderar do que era posse da expedição de Juan Nuñez de Prado, o levava a tudo
desfazer, a tudo carregar nas carretas e buscar outro lugar.
Uma prolongada e repetida
ação na qual se enovelam os sofrimentos.
Carlos Droguett, em El hombre que trasladaba las ciudades,
que, juntamente com Cien gotas de sangre
y docientas de sudor e Supay el
cristiano formam a sua chamada “trilogia da conquista”, ao reinventar na
ficção essa presença espanhola na América, tanto reinventa o grande feito de
heroísmos e vilanias, quanto o drama individual dos que os praticavam.
Sem se afastar do que foi
narrado pelos cronistas oficiais, exemplarmente fiel aos fatos por eles
registrados, ao redor desse mundo que ele quis retirar dos arquivos e trazer
para a vida, a sua ficção recria um cenário pujante de vida: cascatas, céus
cambiantes, ventos, céu e chuva, bosques.
Na repetitiva escrita em que
é construído o romance, acompanhando o fazer e o desfazer da cidade, surgem
como relâmpagos, esse ruído de golpes nos troncos, essas imagens das árvores que
tombam sob o machado dos invasores: Juan Nuñez de Prado via cada um com um machado na mão, suados e
pálidos, como doentes, agarrados à garrafa de vinho, atirar o rosto para trás e
enquanto olhava os copos e o vento e o céu nublado, beber com verdadeira ânsia,
ele sorria com ousadia, colava seu peito no tronco da árvore, lançava seu
rosto, suas mãos nele, sentia o cheiro úmido, acre e doce da madeira partida,
cravava mais fundo o machado e tirava um longo talho de perfume, os soldados
riam felizes, via seus borzeguins se juntar na madeira, escutava os galhos
rangerem...
São leit-motifs que se
incrustram na densa e bela prosa de Carlos Droguett, insistindo em fixar uma
destruição tão comovente quanto aquela que atinge os homens que chegam no
Continente para destruir.
Já presente em outros de
seus romances, além da inegável e harmoniosa função estilística, o leit-motif
que em El hombre que trasladaba las
ciudades repete esse tombar de árvores pela mão do homem possui, sem
dúvida, outra função: a de não deixar esquecer que a Conquista foi feita,
também, de depredação.
E, embora, se trate de uma
breve e esporádica presença, esse recurso do romancista se mostra extremamente
valioso.
Numa obra da qual emergem as
emoções humanas, é surpreendentemente instigante que irrompam, também e com
extremo lirismo os profundos significados do sofrimento dessas árvores
destruídas.

Nenhum comentário:
Postar um comentário