Doze dias depois da morte
violenta de Salvador Allende na Casa de la Moneda, de Santiago, desaparecia
Pablo Neruda. No seu enterro, forças repressivas da ditadura que acabara de se
instalar no Chile, queriam impedir a manifestação dos sentimentos de um povo
que sempre o homenageara em vida.
Eduardo Galeano, no terceiro
volume de sua trilogia Memoria del fuego,
conta como o pequeno cortejo fúnebre que saíra para o cemitério, aos poucos vai
crescendo: De todas as esquinas aparece
gente que se põe a caminhar apesar dos caminhões militares eriçados de
metralhadoras e dos guardas e soldados que vão e que vem em motocicletas e
carros blindados fazendo barulho, fazendo medo. Atrás de alguma janela, a mão
cumprimenta. No alto de alguma sacada, ondula um lenço. Hoje, faz doze dias do
quartelaço, doze dias de calar e morrer e por primeira vez se escuta a
Internacional no Chile, a Internacional murmurada, gemida, soluçada mais do que
cantada até que o cortejo se faça procissão e a procissão se faça manifestação
e o povo que caminha contra o medo, comece a cantar pelas ruas de Santiago a
plenos pulmões, com voz inteira, para acompanhar, como se deve, ao poeta, seu
poeta, na viagem final.
Num dos melhores livros
escritos sobre Pablo Neruda, El viajero
inmovil, o crítico uruguaio Emir Rodríguez Monegal se refere a esses poemas
que mal acabados de serem escritos, já eram distribuídos entre aqueles que, no
momento, estavam na casa do poeta.
Versos que passavam, então,
a ser uma oferta e que na voz monocórdica de Pablo Neruda, ele nunca se recusou
de recitar em fábricas, salas de aula,
teatros e jardins. Porque neles
também estavam o seu testemunho sobre a pobreza e as maldades e seu desejo de
mudanças nessa sociedade latino-americana perversamente estratificada. Queria
pão e terra para todos. E escola.
Por isso teve que fugir
muitas vezes e teve que se esconder. Por isso, em 1973, sua casa foi destruída
e seu enterro controlado pelos novos donos do país.
Mas a América que ele
almejava ainda não se fez. No seu território, como que semeados à mão cheia,
nascem os que se chamam Juan: os que trabalham e mal podem comer, e mal podem
se tratar e mal podem estudar. Os que estão sempre em silêncio porque não sabem
dizer e porque não tem a quem dizer.
Pablo Neruda falou de seus
destinos no maltratado Continente.
Nada mudou, mas suas
palavras iluminam o século.
Nenhum comentário:
Postar um comentário