Três meses antes que
morresse, no Chile, o poeta Pablo Neruda e que Salvador Allende morresse entre
os escombros bombardeados do Palácio de la Moneda era publicado, em Barcelona,
um dos mais grandiosos e perfeitos romances da Literatura latino-americana: El hombre que trasladaba las ciudades.
O Capitão Juan Nuñez de
Prado, que a mando do padre La Gasca, pacificador do Peru, em 1549, penetrara
no Continente americano, com duzentos homens, para assenhorar-se do território,
após a fundação da cidade de Barco, temendo o ataque dos conquistadores
espanhóis vindos do Chile, muda três vezes o seu assentamento. Quando, acusado
de desmandos é preso, o capitão que o viera prender, tomado pela mesma paixão,
efetua a quarta mudança chamando-a, porém, de Santiago del Estero.
Registrada nas Crônicas da
Conquista, é uma história retomada quase quatrocentos anos depois pelo
romancista chileno Carlos Droguett que, ainda hoje, se encontra na Suiça onde
se refugiou em 1975.
Em El hombre que trasladaba las ciudades, mais do que os feitos - essa
trajetória em busca da terra, das riquezas e das glórias sonhadas pelos
espanhóis - que marcaram a Conquista, sobressai, como muito bem observou o
professor Teobaldo Noriega ao escrever sobre os romances de Carlos Droguett, a
preocupação pela tragédia interior do indivíduo: uma incursão dentro da condição humana daqueles que participaram da
conquista.
O romance, então, é feito a
partir de uma ordem cronológica e de uma ordem lógica, determinada pelo fluir
da consciência ou pela narrativa do personagem o que faz com que, no acontecer,
se instalem vazios e ambigüidades, alucinações, pesadelos, sonhos, imagens
efêmeras.
Procedimentos usuais,
inusualmente combina-dos, lhe conferem rara expressividade numa construção em
que vozes múltiplas, o repetir constante e renovado de seqüências, a
hiperbólica presença de adjetivos e a arquitetura de diálogos, que incorporam
elementos da narrativa, funcionam como elementos renovadores.
O terceiro capítulo do
romance que se refere à terceira mudança da cidade,tem início com um vocativo -
Senhor - que será repetido na metade
da quinta linha e só então seguido da frase
dizem que vêm soldados do Chile para te prender. Entre o primeiro vocativo
e o segundo, pleonástico, inserem-se referências ao tempo da narrativa, ao
espaço, ao que escutavam e viam os personagens e ao que tencionavam realizar,
reduzindo o ritmo do diálogo pois, só então, o interlocutor irá responder. À
sua breve resposta seguem-se adjetivos, antecedidos por negações, com que o
narrador básico esclarece como ele se sentia diante da ameaça: nem triste, nem furioso, menos desesperado,
nervoso ou perseguido.
O diálogo continua, com nova
frase do primeiro interlocutor, que insiste na informação: Vem para te prender, Senhor.
Antes de respondê-la, o personagem, a quem dirige a palavra, o observa e
percebe, então, a sua aparência envelhecida feita de cabelos grisalhos, de pele
enrugada, de olhos desbotados e, por vezes, tristes. Enuncia, por sua vez,
outra pequena frase que o leva a pensar no tempo transcorrido desde o momento
em que o enviado de Valdivia viera, no primeiro assentamento da cidade, a fim
de submetê-lo, para passar, num monólogo de sete linhas, a refletir sobre as
razões que levariam os espanhóis do Chile a prendê-lo.
Nessa narrativa que assim se
alonga, como que se dilui a gravidade da ameaça e de suas conseqüências.
Importa o rosto do soldado que nas lides da guerra perde a juventude; importa
esse tempo transcorrido que também é perda; e, importa entender as
incompreensíveis razões dos outros.
O testemunho das Crônicas
foram sobrepujados pelos recursos do narrador, fazendo emergir significados.
Significados que extrapolaram esses sofridos destinos individuais da Conquista
para se constituir numa outra História do Continente.

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