domingo, 17 de outubro de 1993

Fazer a Conquista 2

          É a história dos primeiros passos ibéricos na Conquista. Duzentos espanhóis, sob a chefia de Juan Nuñez de Prado, penetram, em 1549, no Continente, em busca do melhor lugar para assentar a cidade de Barco. Durante dois anos abrem os caminhos que percorrem, marcando o Novo Mundo com outros símbolos e nele sendo marcados por sofrimentos que a travessia do mar não tornou diferente daqueles que viviam na Espanha.
          A história é aquela registrada pelas Crônicas da Conquista. Sobre ela, o romancista chileno Carlos Droguett escreve um dos mais surpreendentes livros da Literatura latino-americana: El hombre que trasladaba las ciudades, publicado pela Noguer de Barcelona em 1973.
          Na cristalização à qual se condena a História Oficial, a aventura de Juan Nuñez de Prado e de seus capitães emerge plena de vida.
          Num belíssimo recurso ficcional, que se diria inspirado na Pintura Impressionista, Carlos Droguett, ao fixar o efêmero, transforma esses conquistadores em extraordinárias e intemporais figuras humanas.
          Assim, um olhar que percebe a luz noturna num instrumento de metal: Via brilhar na praça, aos pés da forca, um machado enorme, de folha fina e delicada, a luz da noite nublada caía na folha e dela saíam reflexos, luzes, raios trêmulos que pintava com luz espectral os borzeguins dos soldados. Ou que vislumbra esse cavalo correndo, relinchando e saltando uma sanga para desaparecer na penumbra. Ou, essas luzes que saltando da tocha se espalhavam de pátio em pátio, de teto em teto, numa janela, e depois corriam pelo chão, se prendiam da copa de uma árvore e nela se apagavam.
          Figuras que se movem para a epopéia. Mas, num universo que permanece próximo e cotidiano porque é, também, feito da presença e das vozes dos animais domésticos trazidos da Espanha, que se alvorotam ao redor do alvoroto dos homens.
          Na cidade que desejam erguer, as vozes espanholas, nervosas e escandalizadas, solenes, despreocupadas, impacientes, vozes que murmuravam quedas ou gritavam iradas e muitas vezes se misturavam ao ladrar dos cães, ao barulho do trote dos cavalos e ao seu relinchar alegre, ao mugir dos bois arrastando as carretas e ao cacarejar das galinhas, seguindo a pista invisível das minhocas.
          Aproximar esses homens da realidade prosaica de um viver heróico que, para muitos, era somente a busca de ter o direito único de existir como gente, o que, no Velho Mundo, era negado para a maioria, não significa somente desenhar figuras ou destinos.
          Conduzidos aos trabalhos e lutas no Novo Mundo, heróis ou vilãos, eles desapareceram como indivíduos.
          Sugerir o que viam e o que escutavam é como fazê-los existir, permitindo que também sejam parte verdadeira da Conquista.

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