É a história dos primeiros
passos ibéricos na Conquista. Duzentos espanhóis, sob a chefia de Juan Nuñez de
Prado, penetram, em 1549, no Continente, em busca do melhor lugar para assentar
a cidade de Barco. Durante dois anos abrem os caminhos que percorrem, marcando
o Novo Mundo com outros símbolos e nele sendo marcados por sofrimentos que a
travessia do mar não tornou diferente daqueles que viviam na Espanha.
A história é aquela
registrada pelas Crônicas da Conquista. Sobre ela, o romancista chileno Carlos
Droguett escreve um dos mais surpreendentes livros da Literatura
latino-americana: El hombre que
trasladaba las ciudades, publicado pela Noguer de Barcelona em 1973.
Na cristalização à qual se
condena a História Oficial, a aventura de Juan Nuñez de Prado e de seus
capitães emerge plena de vida.
Num belíssimo recurso
ficcional, que se diria inspirado na Pintura Impressionista, Carlos Droguett,
ao fixar o efêmero, transforma esses conquistadores em extraordinárias e
intemporais figuras humanas.
Assim, um olhar que percebe
a luz noturna num instrumento de metal: Via
brilhar na praça, aos pés da forca, um machado enorme, de folha fina e
delicada, a luz da noite nublada caía na folha e dela saíam reflexos, luzes,
raios trêmulos que pintava com luz espectral os borzeguins dos soldados. Ou que vislumbra esse cavalo
correndo, relinchando e saltando uma sanga para desaparecer na penumbra. Ou,
essas luzes que saltando da tocha se espalhavam de pátio em pátio, de teto em
teto, numa janela, e depois corriam pelo
chão, se prendiam da copa de uma árvore e nela se apagavam.
Figuras que se movem para a
epopéia. Mas, num universo que permanece próximo e cotidiano porque é, também,
feito da presença e das vozes dos animais domésticos trazidos da Espanha, que
se alvorotam ao redor do alvoroto dos homens.
Na cidade que desejam
erguer, as vozes espanholas, nervosas e
escandalizadas, solenes, despreocupadas, impacientes, vozes que murmuravam quedas
ou gritavam iradas e muitas vezes se misturavam ao ladrar dos cães, ao barulho
do trote dos cavalos e ao seu relinchar alegre, ao mugir dos bois arrastando as
carretas e ao cacarejar das galinhas, seguindo
a pista invisível das minhocas.
Aproximar esses homens da
realidade prosaica de um viver heróico que, para muitos, era somente a busca de ter o
direito único de existir como gente, o que, no Velho Mundo, era negado para a
maioria, não significa somente desenhar figuras ou destinos.
Conduzidos aos trabalhos e
lutas no Novo Mundo, heróis ou vilãos, eles desapareceram como indivíduos.
Sugerir o que viam e o que
escutavam é como fazê-los existir, permitindo que também sejam parte verdadeira
da Conquista.

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