Em “O regionalismo segundo
Alcides Maya”, excelente artigo de Cyro Martins publicado na Zero Hora de Porto Alegre, no passado
dia 11, o escritor e psicanalista gaúcho relaciona o auge do regionalismo na
Literatura riograndense, que ele situa entre 1923 e 1930, com o momento
político vivido entre as duas revoluções: as chispas da paixão política,
alimentando uma criação literária - poemas e contos - de acentuada inclinação
para a façanha.
Exatamente como a literatura
regionalista do Uruguai e da Argentina, girando em torno do gaúcho e das virtudes
que lhe eram então atribuídas: a coragem, o orgulho, a rebeldia, o culto da
liberdade.
Ao escrever em 1936/37, Memórias do Coronel Falcão, publicado
pela Movimento de Porto Alegre em 1974, para Aureliano de figueiredo Pinto, no
entanto, o momento das crenças fora substituído por aquele em que já se
delineiam outros significados.
Assim, o personagem/narrador
não mais se apresenta como o herói valente, autor de ousadas façanhas, mas como
quem se submete às circunstâncias e por elas é derrotado.
O coronel Falcão executa com
maestria o trabalho campeiro mas, como patrão, recusa o elogio do subordinado;
sente medo da entrevista política que deve ter com a mais alta autoridade do
partido e ao estar na sua presença não se impõe, apenas se dedica a analisá-la:
deixa partir a mulher por quem está apaixonado e, mais tarde, confessa, entre
surpreso e despectivo que, assim como o marido, também ele fora traído por ela.
Afastando-se desse protótipo
que parece jamais temer, que enfrenta lances difíceis para se sobressair e
nunca perdoa a traição feminina, ele se detém numa realidade que, na ficção
regionalista foi sempre preterida em favor de atos mais afoitos e nutridos de
proezas para recriar tipos profundamente humanos e solidários.
É o velho Castro, curando as
bicheiras do touro Paysandu com doçura de mão e palavras de alegre esperança: Agora, com este bruto sol quente do
meio-dia, não dá pra chegar à Estância. Mas logo, com a fresca da noite e o
clarão da lua, ao tranquito, você vai lá pra Cabanha, seu Paysandú. E no
veranico de maio ainda vai arrumar uma porção de paysanduzinhos nas cadeiras
das novilhas polpudas do gado manso”.
São os tosadores que no
estafante trabalho de manhã à noite, sol
a sol, de cócoras, mal escorados, curvados,
em forçada atitude, ao fim do dia ao escutar do patrão a ordem de parar,
permanecem inclinados depois de terminar a tosquia do animal, que têm entre as
mãos, tacitamente solidários na postura
martirizante, e somente se erguem quando o último companheiro terminou a
tarefa.
Opõem-se, assim, figuras
espontâneas e em acorde com o seu universo, àquelas que se degradam na perseguição
do lucro e do poder que, finalmente, são as vitoriosas.
Citando Augusto Maya - o escritor nunca foge do que estava escrito dentro dele - Cyro Martins acrescenta
que os fatos históricos, sobretudo as
convulsões sociais, acarretam variações de tema e estilo nas literaturas.
Então, Aureliando de
Figueiredo Pinto, o romancista dos campos
gaúchos como o chama Carlos Jorge Appel, lembrando que nos poemas que
antecederam seu romance ele havia se preocupado em mostrar os aspectos básicos da vida
de campo e não se cristaliza no
saudosismo idealizador.
Afetivamente preso a sua
terra - são magníficas breves referências que faz à paisagem - e a sua gente,
não se impediu, porém de vê-la despida de suas históricas mistificações.
E, na linguagem que, por
vezes, é feita de verdadeiros achados, no mostrar-se um conhecedor de almas, no
ter sabido ver a grandeza em situações cotidianas, estão, também as razões que
lhe concedem um lugar de excelência na literatura do Rio Grande do Sul.
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