domingo, 12 de setembro de 1993

Literatura nos trilhos

          Amanhã me digo já adormecendo, vou ouvir Borges chover no molhado com a sua sempre linda chuva, conta Thiago de Mello depois de ler infinidades de entrevistas do escritor argentino, concedidas à imprensa internacional, intrigado de que sempre, e ao longo dos anos, ele trata dos mesmos assuntos, repete as mesmas frases.       
          Tal constatação não o impediu, porém, de entrevistá-lo no seu apartamento de Buenos Aires em 1981 e em 1984.
          Seis anos depois, Thiago de Mello publica essas duas entrevistas no livro Borges na luz de Borges (Pontes Editores, Campinas) em que intercala comentários, baseados em fontes relacionadas no final da obra, às perguntas e respostas. E, estas são apresentadas por temas.
          Na rubrica “Borges professor”, o entrevistado fala de sua atuação como professor de literatura inglesa, na Faculdade de Filosofia e Letras de Buenos Aires, quando aconselhava os estudantes que não se preocupassem com a bibliografia sobre o autor e sim com sua obra.
          Talvez essa afirmação ele não a tenha repetido ou repetido tanto quanto outras que fazem parte de seus temas obsessivos. Porque, se mais conhecida e incorporada tivesse sido, certamente teria modificado essas aulas de literatura em que o professor não ousa ler ou propor a leitura de autores que não tenham recebido a aprovação da crítica ou da historiografia. Sobretudo aquela pautada por parâmetros forâneos, vindos de países considerados irradiadores da cultu
            Como nem sempre os países do Primeiro Mundo julgam pertinente se debruçar sobre a produção literária do Terceiro Mundo, que lhes fica, então, desconhecida, e como os Países do Terceiro Mundo não se voltam uns para os outros e sim para o Hemisfério Norte, obras de imenso valor permanecem limitadas a seu espaço geográfico.
          Dele apenas poderão sair se descobertas por esse acadêmico ou crítico do Primeiro Mundo que, para alguns, são os únicos que detém o poder de enunciar apreciações válidas.
          Ou, se houver nos seus próprios espaços geográficos, entre os que se ocupam da literatura, aqueles cujo acervo e discernimento lhe permitam emitir opiniões e conceitos que possam levar à apreciações modificadoras sobre o que é produzido em seus respectivos universos e nos demais que fazem parte do Continente que, até para o prazeroso ato da leitura, foi e continua sendo colonizado.
          Saindo dos trilhos traçados talvez seja feita a conquista para a liberdade.

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