Já
em exibição na Europa, o filme de Francisco Rossi, baseado no livro de Gabriel
García Márquez, publicado em 1961 e lançado como um produto de consumo, tal o
aparato publicitário que o cercou antes e no momento de sua aparição. Na verdade, com este seu último romance, Crônica de uma morte anunciada, o autor colombiano quebra o silêncio que se seguiu à publicação de El otoño del patriarca
ou seja, um silêncio de seis anos e que, até agora, tem sido explicado por acontecimentos extra-literários. Crônica de uma morte anunciada mal chega às duzentas páginas e admite, somente, uma leitura ininterrupta. Dizer isto, até pode causar estranheza pois foi dito, tantas vezes que já é lugar comum repetir, tratar-se de um livro que se inicia desvendando o seu final: No dia em que o iriam matar, Santiago Nasar se levantou às 05:30 da manhã... Nada mais preciso, então, do que o título desta narrativa de fatos presenciados por outros que não o narrador. Ele apenas recompõe, vinte e sete anos depois, o que lhe é transmitido.
A morte anunciada no título e nas primeiras linhas da narrativa é a de Santiago Nasar. Duas horas antes de se levantar para assistir à chegada do Bispo na cidade, já era voz corrente a ameaça que pesava sobre ele. Concretizada, morreu na condição de terceiro elemento de um triângulo amoroso que ele próprio ignorava existir, em nome de uma honra que não fora ofendida, pelas mãos dos quais não desejavam matar e diante de uma cidade passivamente atônita. Na narrativa cronológica de seus passos, na explicação de cada uma das omissões e verdades se entremeiam informações sobre o assassinato do jovem ( rico, religioso, caçador, mulherengo, habituado ao sangue dos bezerros que castrava e ao dos animais inermes que matava) e sobre os tipos que o rodeiam (figuras imutáveis que a Literatura recria e torna a recriar e que, de repente ou repentinamente, a vida faz existir e a sociedade leva a atuar: o delegado, o padre, o militar, a prostituta, a criada, a mãe, a noiva. E sobre as duas outras figuras, partes do triângulo que, digamos, existiu. São tipos que sobressaem em meio a outros quarenta. Todos eles apresentados nominalmente . alguns por suas funções na narrativa, outros pela sua função na micro sociedade do povoado. Com exceção de Santiago Nasar ( 21 anos, esbelto e pálido, pálpebras árabes e cabelos cacheados, mão de gavião carnívoro) e de Bernardo San Román (tinha uma cintura estreita de vaqueiro, os olhos dourados e a pela crestada pelo salitre) , esses personagens todos se definem por uns poucos traços, umas poucas palavras pronunciadas e, sobretudo, por suas ações: o General Petrônio San Román usando o barco de cerimônias do Congresso para estar presente no casamento do filho; as famílias, colocando os enfermos na passagem do Bispo para que recebessem a bênção e se curassem; a exibição do lençol na manhã seguinte à noite de núpcias. Cristalizações de um meio conservador onde a autoridade, as crenças, os costumes não apenas se prestam, mas até exigem um traço mais forte, caricatural. E’o aparecimento, na autópsia do jovem assassinado, entre o lodo do conteúdo gástrico, de uma medalha da Virgem do Carmo que ele havia engolido aos quatro anos,. Ou a doença de Pedro Vicário que resistiu aos métodos mais brutais do tratamento militar e às injeções de arsênico e às purgações de permanganato do doutor Dionísio Iguarán e somente foi curada na cadeia.
O cronista não questiona. Limita-se a desejar entender a fatalidade, oferecendo evocações, lembranças, numa linguagem sem sinuosidades, sem meandros, despojada, se uma comparação for feita com a sinfonia barroca do livro anterior. Porém, não suficientemente despojada a ponto de privar o texto das centelhas de um emprego inusitado do adjetivo hiperbólico , do fantástico, do eufemístico. Perfeita, ao diluir o trágico que seria a inocência de Santiago Nasar, ao fazer emergir o cômico, o absurdo das coincidências, das explicações, das verdades de cada um.
Construída em idas e vindas que enovelam o leitor, é uma narrativa destinada ao sucesso de repetidas edições embora tenha que enfrentar o paralelo inevitável com a definitiva obre-prima que é Cien Años de soledad, Paralelo inevitável e desnecessário porque Crônica de uma morte anunciada é, também, certamente, uma obra única ainda que, assim como nas outras ficções do auto, o lírico se entremeie à burla e à troça. Ao leitor cabe entender que tais recursos possuem significados bem mais amplos do que os simples sorrisos que provocam.
ou seja, um silêncio de seis anos e que, até agora, tem sido explicado por acontecimentos extra-literários. Crônica de uma morte anunciada mal chega às duzentas páginas e admite, somente, uma leitura ininterrupta. Dizer isto, até pode causar estranheza pois foi dito, tantas vezes que já é lugar comum repetir, tratar-se de um livro que se inicia desvendando o seu final: No dia em que o iriam matar, Santiago Nasar se levantou às 05:30 da manhã... Nada mais preciso, então, do que o título desta narrativa de fatos presenciados por outros que não o narrador. Ele apenas recompõe, vinte e sete anos depois, o que lhe é transmitido.A morte anunciada no título e nas primeiras linhas da narrativa é a de Santiago Nasar. Duas horas antes de se levantar para assistir à chegada do Bispo na cidade, já era voz corrente a ameaça que pesava sobre ele. Concretizada, morreu na condição de terceiro elemento de um triângulo amoroso que ele próprio ignorava existir, em nome de uma honra que não fora ofendida, pelas mãos dos quais não desejavam matar e diante de uma cidade passivamente atônita. Na narrativa cronológica de seus passos, na explicação de cada uma das omissões e verdades se entremeiam informações sobre o assassinato do jovem ( rico, religioso, caçador, mulherengo, habituado ao sangue dos bezerros que castrava e ao dos animais inermes que matava) e sobre os tipos que o rodeiam (figuras imutáveis que a Literatura recria e torna a recriar e que, de repente ou repentinamente, a vida faz existir e a sociedade leva a atuar: o delegado, o padre, o militar, a prostituta, a criada, a mãe, a noiva. E sobre as duas outras figuras, partes do triângulo que, digamos, existiu. São tipos que sobressaem em meio a outros quarenta. Todos eles apresentados nominalmente . alguns por suas funções na narrativa, outros pela sua função na micro sociedade do povoado. Com exceção de Santiago Nasar ( 21 anos, esbelto e pálido, pálpebras árabes e cabelos cacheados, mão de gavião carnívoro) e de Bernardo San Román (tinha uma cintura estreita de vaqueiro, os olhos dourados e a pela crestada pelo salitre) , esses personagens todos se definem por uns poucos traços, umas poucas palavras pronunciadas e, sobretudo, por suas ações: o General Petrônio San Román usando o barco de cerimônias do Congresso para estar presente no casamento do filho; as famílias, colocando os enfermos na passagem do Bispo para que recebessem a bênção e se curassem; a exibição do lençol na manhã seguinte à noite de núpcias. Cristalizações de um meio conservador onde a autoridade, as crenças, os costumes não apenas se prestam, mas até exigem um traço mais forte, caricatural. E’o aparecimento, na autópsia do jovem assassinado, entre o lodo do conteúdo gástrico, de uma medalha da Virgem do Carmo que ele havia engolido aos quatro anos,. Ou a doença de Pedro Vicário que resistiu aos métodos mais brutais do tratamento militar e às injeções de arsênico e às purgações de permanganato do doutor Dionísio Iguarán e somente foi curada na cadeia.
O cronista não questiona. Limita-se a desejar entender a fatalidade, oferecendo evocações, lembranças, numa linguagem sem sinuosidades, sem meandros, despojada, se uma comparação for feita com a sinfonia barroca do livro anterior. Porém, não suficientemente despojada a ponto de privar o texto das centelhas de um emprego inusitado do adjetivo hiperbólico , do fantástico, do eufemístico. Perfeita, ao diluir o trágico que seria a inocência de Santiago Nasar, ao fazer emergir o cômico, o absurdo das coincidências, das explicações, das verdades de cada um.
Construída em idas e vindas que enovelam o leitor, é uma narrativa destinada ao sucesso de repetidas edições embora tenha que enfrentar o paralelo inevitável com a definitiva obre-prima que é Cien Años de soledad, Paralelo inevitável e desnecessário porque Crônica de uma morte anunciada é, também, certamente, uma obra única ainda que, assim como nas outras ficções do auto, o lírico se entremeie à burla e à troça. Ao leitor cabe entender que tais recursos possuem significados bem mais amplos do que os simples sorrisos que provocam.















