sábado, 21 de novembro de 1987

A promessa de Ramón Neiva

            Em 1941, morria Pedro Aguirre Cerda, Presidente chileno cuja eleição havia trazido muitas esperanças para os grupos menos favorecidos. Sua morte, ocorrida antes de que pudesse efetuar algo de significativo, representou para os seus seguidores uma grande perda. Ramón Neiva, pedreiro, bêbado nas horas vagas, órfão de pai assassinado pelo polícia, sente com essa morte uma nova orfandade. Nas lembranças encharcadas de vinho, o velhinho negro como afetivamente se refere a ele, apresenta-se como figura paterna, visão de sonhos e alucinações. Viu pela primeira vez,  a mulher a quem amou, no enterro do Presidente, e  em sua honra deu o nome de Pedro ao filho que nasceu. E é na lembrança do Presidente que se refugia nos momentos de tristeza.

            Figura principal do romance de El Compadre de Carlos Droguett, publicado pela primeira vez pela Joaquín Mortiz do México, em 1967, Ramón Neiva expressa num fluir da consciência (permita-se a expressão) os sentimentos da maioria dos habitantes do Continente: o desamparo diante de uma vida que as estruturas socias marginalizam e a busca de um protetor que minimize essa marginalização.

            No desamparo e no vazio, Ramón Neiva procura, pelo menos, um amigo. Embriagado, vai achá-lo na figura de uma imagem na Igreja onde entra em busca de paz e da felicidade que lhe escapara das mãos. Diante da imagem de São Judas Tadeu, procura forças para largar a bebida. Mas, o cotidiano nos andaimes, ao sol e ao vento, a realidade que encontra ao descer, a mulher que dele se afasta cada vez mais só o induzem à beber.  E o Santo, tranqüilo na penumbra da Igreja, permanece em silêncio, ignorando as dúvidas do homem. Ramón Neiva ao vê-lo com o rosto tranqüilo [...], os olhos perdendo-se docemente, sem pressa, no céu, ignorando a terra, pensava  que não tem graça ser santo quando não se foi capaz de odiar alguém, de amar furiosamente alguém. Para comover o Santo, para forçá-lo a condescender em baixar os olhos para ele, pobre  bêbado, Ramón Neiva, pedreiro qualificado, promete deixar de beber. Em troca, quer que o Santo seja o padrinho de seu filho. Os dias, porém, passam iguais: dominado pelo trabalho em cima do andaime, pelas lembranças, pelos delírios da bebida. Ele não cumpre o prometido ao Santo, sempre com o seu sorriso  feliz e seus olhos alçados para o céu. . Precisa, porém,  de  sua anuência para se justificar. Então, acredita ter escutado as palavras do santo quando dormia, embriagado, a sus pés: Vai, compadre, bebe! O vinho é bom.

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