El inglés de los güesos é uma história de amor. E, naturalmente, de
infortúnios. Antes de escrevê-la, seu autor, o argentino Benito Lynch, nascido
no dia 26 de julho de 1880, em Buenos Aires, já havia publicado Plata Dorada, Los caranchos de “la Florida”, Raquela
e La evasión. Mas, será o
aparecimento de El inglés de los güesos, em 1924, que irá
consagrá-lo como um dos melhores narradores contemporâneos.
Passados
sessenta e três anos, o romance é traduzido para o português porque Paulo
Hecker Filho o considerou, em muitos sentidos, o melhor romance da América
Latina e porque a editora Tchê, abandonando as trilhas dos autores conhecidos,
aceitou o desafio de oferecer aos leitores um texto
que, embora, de raras qualidades, não era precedido da fama (merecida ou não) que
decide muitas vezes o destino de uma obra.
Trata-se
de uma narrativa muito ágil onde o
diálogo possui um lugar privilegiado e a descrição o suficiente para esboçar o
cenário campeiro e a casa no meio do campo onde vão se tecendo ou onde vão
explodir os sentimentos que se mostram muito mais pelos gestos e pelas ações
dos personagens do que pelas palavras do autor que, no entanto, tudo vê e tudo
sabe.
Assim,
Mr.James, moço loiro, seco e comprido
como uma taquara [...] e um leve sorriso como que estereotipado nos seus lábios
finos [...] firmes e apertado e de grandes dedos curvos como pinças de
caranguejo dará a conhecer os seus sentimentos somente quando os de
Balbina se expressam violentamente e ele se vê encurralado, induzido a
explicações que o forçam, também, a explicar-se ante si mesmo. Pesquisador, Mr.
James viera procurar na praia da lagoa de “Los Toros”, ossamenta
de índios para levar para a Inglaterra. No posto “La Estaca”, parte do
latifúndio de “La Estancia” , como , também nos outros postos, onde os
personagens campeiros são peças de uma
estrutura social acostumada à obediência, é que, por ordem do patrão, recebe
hospitalidade. Com o passar dos dias, recebe, igualmente, o amor de Balbina.
Uma verdadeira dádiva pois, jamais, ele havia recebido outro tão grande e
sincero. Uma primícia que ela nunca havia antes ofertado a quem quer que fosse.
Amor espontâneo, puro, sem limites. Incapaz por isso de entender a importância
dos osso, a colheita das escavações científicas, dos compromissos assumidos
ante terceiros ou ante si mesmo e que iriam levar o inglês de retorno a seu
país. Incapaz de entender a opção de Mr. James que não viera a
estas terras da América em busca de mocinha de rancho com quem se casar,
mas em busca de velhos cemitérios indígenas onde cavoucar apressadamente.
O amor florescera
com forças desiguais. Na mocinha do rancho, adolescente de riso cristalino, de
olhos negros e pestanudos e de cabelos pretos, reluzentes, crespos e sedosos,
turgente de juventude, de alegria, de beleza, o amor é puro, primitivo,
luminosos, sem disfarces e que acredita nele mesmo. Mr. James não podia partir, não poderá viver sem esse amor ela se
exclama. Quando duvida, se apega na força de um ritual: o sapo preso e enterrado dentro de uma caixa,
duas mechas de cabelo atadas juntas e juntas queimadas em segredo. No europeu, um amor que se infiltrou à
revelia, que é relegado em prol de uma ascensão social projetada desde sempre e
que não quer se deter diante do sofrimento seja ele seu ou de outrem. Um duelo
injusto se estabelece entre a força e a
fraqueza: você é um homem de ferro...mas
eu James... em mim as coisas doem muito. Um duelo no qual já estão
assinalados pela derrota os que são puros e frágeis e sempre estão desarmados diante da
perversidade do mundo. Mr. James vence os seus sentimentos impondo-se razões.
Vence a si mesmo e parte para o êxito, para a vida futura. Balbina é vencida
pela impotência diante do vazio e escolhe a morte.
O
último capítulo do livro diz dessa escolha num texto de excepcional beleza e de
excepcional maestria. Primeiro, o
acordar assustado da cachorra Diamela. Talvez, tenha escutado algum barulho,
talvez pensasse ter escutado. Não tornou a dormir e, sentada, começou a
observar a névoa que invadia tudo a seu redor. Como nenhum ruído, além dos
habituais, lhe tenha chamado a atenção,
gastou seu tempo em coçar e, então,
começou a andar lentamente, cheirando tudo com entendido e seguiu para os lados da casa onde
estavam o galinheiro, o tanque de lavar roupa, o jardim de Balbina. Quando
chegou ao salgueiro, distraída, e
com a luz na cara, experimentou um sobressalto que a
fez se arrepiar inteira, levantando, nervosamente, uma pata. Pareceu-lhe, sem
dúvida, uma cobra aquela extremidade de laço mal trançado que, descendo da árvore, se estendia sinuosamente diante da porta... Reagiu,
dando-se conta de seu engano. Cheirou o laço, examinou a cadeira caída, um
pequeno sapato de Balbina e levantou os olhos
para os galhos da árvore e reconhecendo, fez festas. Como não foi
correspondida, se afastou para fazer um buraco na terra. Pouco depois, se
escutou a voz da mãe de Balbina primeiro
como um alarido selvagem, depois como
o ulular de uma fera. O sapo que Diamela
desenterrara deu alguns saltos preguiçosos e ao abrigo de uma planta se pôs
a contemplar a extraordinária pompa do nascer do dia na qual a natureza exibia
naquela manhã como se desejasse distrair,
a força de luz e de cores, a atenção de todos, para que não pensassem, para que
não duvidassem, para que continuassem confiando sempre na eqüidade de suas leis
e de seu poder soberano.

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