sábado, 28 de novembro de 1987

El inglés de los güesos: uma história de amor

           El inglés de los güesos  é uma história de amor. E, naturalmente, de infortúnios. Antes de escrevê-la, seu autor, o argentino Benito Lynch, nascido no dia 26 de julho de 1880, em Buenos Aires, já havia publicado Plata Dorada, Los caranchos de “la Florida”, Raquela e La evasión. Mas, será o aparecimento de El inglés de los güesos, em 1924, que irá consagrá-lo como um dos melhores narradores contemporâneos.

            Passados sessenta e três anos, o romance é traduzido para o português porque Paulo Hecker Filho o considerou, em muitos sentidos, o melhor romance da América Latina e porque a editora Tchê, abandonando as trilhas dos autores conhecidos, aceitou o desafio de oferecer aos leitores um   texto que, embora, de raras qualidades, não era precedido da fama (merecida ou não) que decide muitas vezes o destino de uma obra.

            Trata-se de  uma narrativa muito ágil onde o diálogo possui um lugar privilegiado e a descrição o suficiente para esboçar o cenário campeiro e a casa no meio do campo onde vão se tecendo ou onde vão explodir os sentimentos que se mostram muito mais pelos gestos e pelas ações dos personagens do que pelas palavras do autor que, no entanto, tudo vê e tudo sabe.

            Assim, Mr.James, moço loiro, seco e comprido como uma taquara [...] e um leve sorriso como que estereotipado nos seus lábios finos [...] firmes e apertado e de grandes dedos curvos como pinças de  caranguejo dará a conhecer os seus sentimentos somente quando os de Balbina se expressam violentamente e ele se vê encurralado, induzido a explicações que o forçam, também, a explicar-se ante si mesmo. Pesquisador, Mr. James  viera procurar  na praia da lagoa de “Los Toros”, ossamenta de índios para levar para a Inglaterra. No posto “La Estaca”, parte do latifúndio de “La Estancia” , como , também nos outros postos, onde os personagens campeiros são  peças de uma estrutura social acostumada à obediência, é que, por ordem do patrão, recebe hospitalidade. Com o passar dos dias, recebe, igualmente, o amor de Balbina. Uma verdadeira dádiva pois, jamais, ele havia recebido outro tão grande e sincero. Uma primícia que ela nunca havia antes ofertado a quem quer que fosse. Amor espontâneo, puro, sem limites. Incapaz por isso de entender a importância dos osso, a colheita das escavações científicas, dos compromissos assumidos ante terceiros ou ante si mesmo e que iriam levar o inglês de retorno a seu país. Incapaz de entender a opção de Mr. James que não viera a  estas terras da América em busca de mocinha de rancho com quem se casar, mas em busca de velhos cemitérios indígenas onde cavoucar apressadamente.

            O amor florescera com forças desiguais. Na mocinha do rancho, adolescente de riso cristalino, de olhos negros e pestanudos e de cabelos pretos, reluzentes, crespos e sedosos, turgente de juventude, de alegria, de beleza, o amor é puro, primitivo, luminosos, sem disfarces e que acredita nele mesmo. Mr. James não podia partir, não poderá viver sem esse amor ela se exclama. Quando duvida, se apega na força de um ritual:  o sapo preso e enterrado dentro de uma caixa, duas mechas de cabelo atadas juntas e juntas queimadas em segredo.  No europeu, um amor que se infiltrou à revelia, que é relegado em prol de uma ascensão social projetada desde sempre e que não quer se deter diante do sofrimento seja ele seu ou de outrem. Um duelo injusto se estabelece entre a força e  a fraqueza: você é um homem de ferro...mas eu James... em mim as coisas doem muito. Um duelo no qual já estão assinalados pela derrota os que são puros e frágeis e  sempre estão desarmados diante da perversidade do mundo. Mr. James vence os seus sentimentos impondo-se razões. Vence a si mesmo e parte para o êxito, para a vida futura. Balbina é vencida pela impotência diante do vazio e escolhe a morte.

            O último capítulo do livro diz dessa escolha num texto de excepcional beleza e de excepcional maestria.  Primeiro, o acordar assustado da cachorra Diamela. Talvez, tenha escutado algum barulho, talvez pensasse ter escutado. Não tornou a dormir e, sentada, começou a observar a névoa que invadia tudo a seu redor. Como nenhum ruído, além dos habituais, lhe tenha chamado a atenção,  gastou  seu tempo em coçar e, então, começou a andar lentamente, cheirando tudo com  entendido e seguiu para os lados da casa onde estavam o galinheiro, o tanque de lavar roupa, o jardim de Balbina. Quando chegou ao salgueiro, distraída, e com  a luz  na cara, experimentou um sobressalto que a fez se arrepiar inteira, levantando, nervosamente, uma pata. Pareceu-lhe, sem dúvida, uma cobra aquela extremidade de laço mal trançado que, descendo da árvore, se estendia sinuosamente diante da porta... Reagiu, dando-se conta de seu engano. Cheirou o laço, examinou a cadeira caída, um pequeno sapato de Balbina e levantou os olhos  para os galhos da árvore e reconhecendo, fez festas. Como não foi correspondida, se afastou para fazer um buraco na terra. Pouco depois, se escutou a voz da mãe de Balbina primeiro como um alarido selvagem, depois como o ulular de uma fera. O sapo que Diamela desenterrara deu alguns saltos preguiçosos e ao abrigo de uma planta se pôs a contemplar a extraordinária pompa do nascer do dia na qual a natureza exibia naquela manhã como se desejasse distrair, a força de luz e de cores, a atenção de todos, para que não pensassem, para que não duvidassem, para que continuassem confiando sempre na eqüidade de suas leis e de seu poder soberano.

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