No ano de 1967, o
guatemalteco Miguel Angel Astúrias recebia o Prêmio Nobel de Literatura com o
romance El señor presidente, um
livro perfeito e terrível como poucos. Em se tratando da Literatura do
Continente, tão pródiga em textos que expressam a violência, trata-se de uma
obra que contém, talvez, os textos mais sombrios e cruéis sobre os meandros de
uma ditadura e sobre a desintegração física e moral de um cidadão dessa
ditadura.
Entre
os muitos personagens do romance, destruídos pela vontade onipresente e
absoluta do Presidente, um deles, Miguel Cara de Angel é aquele que sofre todas
as degradações a que podem estar sujeitos os habitantes desses espaços
pertencentes a uns poucos, os territórios de ninguém. Miguel Cara de Angel é belo, rico e tem nas
mãos as vantagens fáceis e irresponsáveis daqueles que aceitam se submeter às vontades do Poder, que aceitam ser
cognominados favoritos. Pouco se conhece de sua vida a não ser que tem caminho
livre junto ao senhor Presidente. Também se ignora se é feliz. Porém,
repentinamente, tem consciência da angústia que o assola: quando se dá conta do amor que sente por Camila, filha
do homem marcado para ser destruído, quando presencia o seu sofrimento e a doença que a faz se aproximar da morte. Sobretudo, ao perceber que ela era o único ser que amava e estava preso
no terrível círculo que a todos envolvia. Aceita, por fim, a lucidez da qual,
por interesse, até então fugira . E com isso, se torna um inimigo para o
Presidente que nada perdoa e do qual não
consegue escapar.
Ao
constatar que lhe resultara impossível a
fuga e que outro títere já tomara o seu
lugar junto ao Presidente, pensa apenas em
correr, voar, desaparecer. Mas, é traído por aquele a quem um dia
salvara a vida que o prende, o tortura e o atira sobre o esterco, num trem para uma viagem que não terá retorno.
Passa
os anos num calabouço, incomunicável. Imóvel,
doente, quase cego, reumático,
padecendo nevralgias errantes vai
definhando. A crueldade do espaço limitado, a falta de liberdade, e a solidão
não conseguem lhe tirar todo alento
porque vive na esperança de rever Camila. Porém, não apenas essa esperança lhe
é arrancada, como a imagem que restava dela
lhe chega, através da maldade de seus carcereiros, ultrajada, enlameada,
conspurcada.
Na
imundície, na desolação, no desamparo total de homem que, em meio a uma
incomensurável miséria, ainda recebe
motivos para ser mais miserável – saber da traição da mulher amada – Miguel Cara de
Angel morre.
O
ciclo degradante de usufruto do Poder
para a condição de vítima desse mesmo Poder se completara.

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