Jorge Asís é autor
de onze livros, dois dos quais traduzidos para o português, em 1978, pela
Civilização Brasileira: Os arrebentados
e Os FAC. Argentino, nascido em Buenos Aires em
1946, publicou o seu primeiro livro de contos aos vinte e cinco anos. Hoje, na
sua já vasta obra, entre um livro de poemas, entre contos e romances e textos
jornalísticos, destacam-se os três livros La
calle de los caballos muertos, Carne
picada e Cangurus que formam a
trilogia Cangurus. Um longo romance
cujo tema político se insere nas
entrelinhas de transgressões, crimes, misérias, trabalho, exílio interiores dos
marginalizados, dos derrotados que povoam o subúrbio de Buenos Aires e que pela
grande cidade são devorados.

Histórias
múltiplas de amores, tristezas, mortes, desesperos, violência e sangue. De
passividade diante de uma vida sem sentido ou cujo sentido é determinado pelo
único espaço concedido: o de uma irreversível miséria. E é esse é o espaço de Urpiano, marido de Mercedes, genro
de Joana. O esforço que faz para chegar ao trabalho e para voltar para casa – mais de duas horas de viagem, de manhã e de
noite, saía e voltava no escuro, tinha que pegar o 71 até Sarandí, daí o 33 até
Retiro e depois o trem - e para
trabalhar como um animal de carga está muito aquém do que deseja da vida. Na
verdade, quer apenas que os filhos cresçam para se desfazer deles e da mulher.
Por vezes, a paciência ou a lucidez lhe faltam. Sem estar bêbado não tem
condições de administrar a sua patética
humilhação cotidiana.
Trabalhar
inexoravelmente, ganhar nesse trabalho o mínimo para, no fim do dia, mal ver os
filhos e ter, somente, forças insuficientes para se gastar no vinho. Operário
explorado, cidadão desrespeitado e marido traído. Que mais lhe resta se não
suporta nem a companhia de sua sombra?
Num
domingo, resolve assassinar todos os que estão a seu redor.
Foi
quando a Mercedes fugiu. Deixou-lhe as três crianças e, mais do que um
problema, proporcionou-lhe uma solução com a vinda de Joana, a sogra. Alta e
forte, avó jovem e carinhosa não se limitou
a tomar conta da casa mas ocupou também o leito deixado vazio.Mercedes
porém voltou, querendo ficar para sempre. Na disputa estabelecida, a opinião
dos parentes foi que somente o dono da casa deveria decidir.
Naquele
dia, Urpiano chegou tarde. Moído demais,
acompanhado por algum delírio de vinho mais ou menos chispante para decidir
alto tão transcendental e muito menos
para ficar prestando atenção em detalhes tão irrisórios como esses de quem ficava, quem ia embora e outras miudezas.
Recebeu a Mercedes como se nunca tivesse ido embora e cumprimentou a Joana como
se sempre tivesse estado ali. E continuou suas longas viagens para o trabalho.
E suas longas viagens de regresso para encontrar tudo igual que antes.
Até que, num
outro domingo, resolveu matar todo mundo.
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