sábado, 7 de novembro de 1987

Trilogia da miséria.II. Casiano Jara

            Percorrendo a pé, as cinqüenta léguas que  constituem a Industrial Paraguaya de Kaaguasú, para chegar à sede, os contratados que desfaleceram no meio do caminho, foram acabados a tiro. Para Casiano Jará (Augusto Roa Bastos, Hijo de Hombre, Buenos Aires, Losada, 1960), incapaz de recuar diante da tragédia que vivia naquela caminhada e que presumia maior quando chegassem aos ervais é o reinício do medo que será, uma vez mais, cotidiano e permanente.Já vivera na fome e na opressão. Já fora rebelde e fugitivo, desesperado e faminto. Mas, logo no início da tentativa de trabalho compreendera que não era para a vida que  fora contratado pela  Industrial Paraguaya, pois entrar naqueles domínios era se condenar a sair unicamente para debaixo da terra. Fugir, impossível ou só pelo ar como as canções. Além das águas do rio, das Vinchesters dos capatazes, dos cães, a própria lei promulgada pelo Presidente Rivarola o impedia: O trabalhador que abandone o seu trabalho sem o consentimento de seu patrão ou capataz do estabelecimento será levado preso de volta se assim o patrão o solicitar, ficando por conta do trabalhador os gastos que por ventura existirem.

            A angústia da vida no erval é o isolamento do ser humano que a miséria e a dor afastam dos demais. Casiano Jará não a sentia, ainda, completamente, pois sempre havia         o momento de encontrar os olhos  - ainda que sofridos – de sua companheira. Quando, porém, o comissário propõe comprar-lhe a mulher, Casiano como que perde sua condição de homem . A tragédia se torna, além de moral uma  enfermidade física. A boca de Casiano espuma de ódio impotente. Seu corpo transpira e treme como se estivesse febril, sua mente perde a possibilidade de raciocínio lógico e não tem, não pode ter outro pensamento senão o de sair do erval com a mulher e o filho que está para nascer. Fala da fuga em todos os escassos momentos em que se encontra com a mulher. Planeja-a cuidadosamente. Porém, quando consegue sair do erval e está a poucas léguas do povoado o nascimento da criança o impede de continuar. Levado de volta ao erval, agora três vítimas. Casiano vai para o tronco mas os quinze dias que nele permanece não o dobram. Novamente reinicia a fuga. Cheia de medo, desespero, ruídos, miasmas, lodo, desfalecimento, fome, sede, cansaço. Por fim chega ao rio e ao cruzá-lo, à liberdade.

            A imagem de uma carreta surgida de repente, no meio do sono, junto a de um ancião cujos  traços    são de seus antepassados, o reconduz e a mulher e o filho ao povoado de origem. Ao avistá-lo, caminha com segurança. Não para a sua casa ou para o seu pedaço de terra mas para o vagão semi-destruído que jazia entre as árvores queimadas. Casiano Jará perdera a razão.

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