Segundo
Humberto Costantini, seu exílio durou sete anos, sete meses e sete dias. Então,
retornou a Buenos Aires onde a Editora Brughera festejou sua volta com a
publicação de De dioses, hombrecitos y
policias, Prêmio Casa de las Américas, um romance que, durante anos, foi
proibido na Argentina enquanto circulava em edições do México, Bulgária,
Alemanha, Israel, Cuba, União Soviética e Estados Unidos.
Para
o português, não foi traduzido. Portanto, nunca é demais insistir no prejuízo desse
isolamento em que vive o Brasil em relação aos demais países do Continente pois
ele é responsável pelo desconhecimento de obras cuja leitura, por várias e
diferentes razões ou é imprescindível ou proporciona momentos de incalculável
prazer. Como o caso desse romance, publicado em 1984 em Buenos Aires.
De dioses, hombrecitos
y policias é uma narrativa construída em três linhas paralelas e trata,
exatamente, segundo informa o título, de homenzinhos, deuses e policias. Os
homenzinhos formam um grupo de amantes de poesia , a Agrupação Polimnia, já no
seu décimo ano de atividades que se
reúne a cada mês com o inocente desígnio de ler, para um auditório atento, os
seus poemas. No Olimpo, os deuses Afrodite, Atenéia e Hermes que entre esses
cultores de poesia tem os seus
preferidos. Atentos a seus destinos,
sabendo-os ameaçados, esquecem os próprios desacordos para antepor-se a Edes
e a seus malefícios. Os policiais se
preparam para obedecer a ordens superiores que determinam executar doze
elementos do grupo tidos por subversivos.
Ordens que, na verdade, não advém do
tirocínio ou da justiça mas somente da vontade de Edes, deus vaidoso, impotente para o amor e
que precisa de mortos para povoar os seus domínios.
A
ação se passa em poucas horas: o tempo que dura
a reunião da Agrupação Polimnia
do dia 3 de dezembro de 1975. Nela, como
sempre, os sócios, ou seja, os
homenzinhos, lêem os seus poemas. Tempo suficiente para que dois círculos se
fechem ao redor deles: a Sombra
anunciadora da Morte, fiel serva de Edes, primeiramente traçando círculos
lentos em torno da casa para depois se aproximar e, sob a inócua aparência de
mancha de umidade, se instalar sob o teto; e os quatro Ford Falcon que se aproximam com
muitos homens fortemente armados para cumprir a tarefa de extermínio.
Dos
homenzinhos, sabemos pela narrativa de um deles a partir do que vê e do que
percebe; a ação policial é dada a conhecer através de relatório de
subordinados aou chefe; e os feitos dos
deuses, transmitidos pelo narrador todo-poderoso a quem é permitido, inclusive,
saber o que se passa no Olimpo.
Essas
três vozes se entremeiam e, ora no
presente, ora no futuro vão contando o que se passa e o que se passará nessa
casa situada numa das ruas de Buenos Aires para onde convergem cuidados e
interesses tão díspares. A do narrador omnisciente, revelando como o destino
dos humanos está submisso ao capricho dos deuses; a de José Maria Pulicichio, muito cândida,
expressão de uma visão de mundo alienada -
e comum a dos demais sócios – que lhe permite encontrar refúgio na
Polimnia : em meio ao caos de violência e
escuros apetites que se cerne sobre Buenos Aires neste verão de 1975 nossa
Agrupação é para nós uma ilha, um oásis de paz, um lugar onde, ainda, o culto
do espírito prima sobre a burda
matéria e sob cujo teto, e em especial junto a seu pátio florescido de glicínias, encontramos
por fim o quê, com obstinação a vida nos tem negado durante anos.
Compreensivo e sentimental até o exagero o seu discurso ridículo e risível é
tão ridículo e risível quanto aquele dos relatórios policiais .
Remetem a uma comicidade que não é vã porque alimentada com esse humor ácido que é o
humor de que fala Luigi Pirandello, “o sentido do contrário: aquele que a
partir de uma cena, de um fato cômico faz surgir a reflexão que transforma a
comicidade em sofrimento. Isto é, a cristalização do riso.
A
leitura de Dioses, hombrecitos e
policias faz rir. Um riso que muitas vezes se cristaliza. E’quando o livro
de Humberto Costantini se torna um libelo contra essas sombras ameaçadoras e
essas presenças terríveis – os conhecidos Ford Falcons levando presos quaisquer
cidadãos, os seqüestros, as torturas, as conhecidas mortes sem julgamento pelos
para-policias - que impedem o vida no Continente.
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