segunda-feira, 28 de setembro de 1987

Brasileiros em Memórias do fogo.

          Em Nascimentos, primeiro volume de sua trilogia Memória el fuego sobre a História da América, Eduardo Galeano conta uma lenda dos índios Kadieus que se inicia dizendo de um mundo incolor : eram brancas as plumas dos pássaros e branca a pele dos animais. Depois, dentre esses  pássaros e animais, houve aqueles que mergulharam nas águas do lago, que se espojaram na terra e na cinza que  se roçaram  na folhagem. Azuis, marrons, cinzas, verdes, eles ficaram.  Continuaram brancos os que permaneceram imóveis. Essa lenda dos índios Kadieus,  juntamente com um texto que trata da primeira expedição, em 1602, contra Palmares,  de outro que se refere à rendição de Ganga Zumba em 1678 e, ainda, de um terceiro sobre o achado de ouro em 1700 é a única presença do Brasil nesse primeiro volume. Construído em duas partes,    “Primeiras vozes”  é constituída de lendas indígenas. A segunda, “ Um velho Mundo Novo”,  por episódios  sucedidos  num tempo preciso cuja primeira data é a da chegada dos europeus na América e a última, a de 1700.

          O segundo volume, Las caras y las máscaras, conta o que ocorreu nos séculos XVIII e XIX, precisamente de 1701 a 1900. Nele, a presença dos brasileiros tampouco é grande: Padre Vieira, Tiradentes, o Aleijadinho, Manuel da Costa Ataíde, Antonio Conselheiro, Machado de Assis, o medico Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda que no seu laboratório decapitava rãs para estudar as convulsões do corpo depois da morte. Também, é marcado pela ambição, pelo preço dos homens (uma criança negra vale o que vale um punhado de sal), pelo desfile dos costumes, pelas buscas dos caminhos do ouro e das liberdades.

          O terceiro volume, O século do vento, retoma 1900  detendo-se em cada ano, para fazer a sua história. Finaliza em 1984, talvez porque, diz Eduardo Galeano é o ano em que termina o seu exílio.

          Muito mais que nos volumes anteriores,  estão os brasileiros: entre eles,   os que   sonham construir cidades para todos os homens.  Também, quem impeça que os sonhos se realizem, entregando Olga Prestes ao navio marcado com a cruz suástica ou submetendo a interrogatórios um dia sim e outro também um criador de música e de versos. Ou aqueles que esparramam  desvarios, pedindo ao governo que evite o desprestígio do país, se representado, na Europa, pelo conjunto “Os Batutas” no qual também tocava Pixinguinha; ou que  vociferam contra a vacina, afirmando que a epiderme do individuo é tão inviolável como a sua consciência.  

         Médicos, escritores, artistas, jogadores de futebol. Entre eles, alternam-se: o Presidente que deseja governar de pé e quando o obrigam a se inclinar escolhe a dignidade da morte; o jogador de futebol que joga como jogaria Deus, se Deus decidisse dedicar-se seriamente ao assunto;           o velho pobretão e ossudo que desembarcou no meio da selva entre Belém e Manaus com uma caixa de papelão que protegia uma palmeira de plástico.

          Figuras e cenas e fatos que repetem ou completam outros. Porque partes de um Continente onde, entre sombras e violências, explodem figuras luminosas. Grande mural da História do Continente, um mosaico como o define  Eduardo Galeano  que desejou construir e  o fez, como diz ele, com alegria. Assim, com alegria,  deveriam ser lidos esses textos. Porque entre tragédia e comédia eles dizem, sobretudo, de um espaço de esperanças invencíveis.

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