Em
Nascimentos, primeiro volume de sua
trilogia Memória el fuego sobre a
História da América, Eduardo Galeano conta uma lenda dos índios Kadieus que se
inicia dizendo de um mundo incolor : eram
brancas as plumas dos pássaros e branca a pele dos animais. Depois, dentre
esses pássaros e animais, houve aqueles
que mergulharam nas águas do lago, que se espojaram na terra e na cinza que se roçaram
na folhagem. Azuis, marrons, cinzas, verdes, eles ficaram. Continuaram brancos os que permaneceram
imóveis. Essa lenda dos índios Kadieus,
juntamente com um texto que trata da primeira expedição, em 1602, contra
Palmares, de outro que se refere à
rendição de Ganga Zumba em 1678 e, ainda, de um terceiro sobre o achado de ouro
em 1700 é a única presença do Brasil nesse primeiro volume. Construído em duas
partes, “Primeiras
vozes” é constituída de lendas
indígenas. A segunda, “ Um velho Mundo Novo”, por episódios
sucedidos num tempo preciso cuja
primeira data é a da chegada dos europeus na América e a última, a de 1700.
O
segundo volume, Las caras y las máscaras,
conta o que ocorreu nos séculos XVIII e XIX, precisamente de 1701 a 1900. Nele,
a presença dos brasileiros tampouco é grande: Padre Vieira, Tiradentes, o
Aleijadinho, Manuel da Costa Ataíde, Antonio Conselheiro, Machado de Assis, o medico
Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda que no seu laboratório decapitava rãs
para estudar as convulsões do corpo depois da morte. Também, é marcado pela
ambição, pelo preço dos homens (uma criança negra vale o que vale um punhado de
sal), pelo desfile dos costumes, pelas buscas dos caminhos do ouro e das
liberdades.
O
terceiro volume, O século do vento,
retoma 1900 detendo-se em cada ano, para
fazer a sua história. Finaliza em 1984, talvez porque, diz Eduardo Galeano é o
ano em que termina o seu exílio.
Muito
mais que nos volumes anteriores, estão os
brasileiros: entre eles, os que sonham construir cidades para todos os
homens. Também, quem impeça que os
sonhos se realizem, entregando Olga Prestes ao navio marcado com a cruz
suástica ou submetendo a interrogatórios um
dia sim e outro também um criador de música e de versos. Ou aqueles que esparramam
desvarios, pedindo ao governo que evite
o desprestígio do país, se representado, na Europa, pelo conjunto “Os Batutas”
no qual também tocava Pixinguinha; ou que vociferam contra a vacina, afirmando que a epiderme do individuo é tão inviolável como
a sua consciência.
Médicos,
escritores, artistas, jogadores de futebol. Entre eles, alternam-se: o
Presidente que deseja governar de pé e quando o obrigam a se inclinar escolhe a dignidade da morte; o jogador
de futebol que joga como jogaria Deus, se
Deus decidisse dedicar-se seriamente ao assunto; o velho pobretão e ossudo que
desembarcou no meio da selva entre Belém e Manaus com uma caixa de papelão que
protegia uma palmeira de plástico.
Figuras
e cenas e fatos que repetem ou completam outros. Porque partes de um Continente
onde, entre sombras e violências, explodem figuras luminosas. Grande mural da
História do Continente, um mosaico como o define Eduardo Galeano que desejou construir e o fez, como diz ele, com alegria. Assim, com
alegria, deveriam ser lidos esses
textos. Porque entre tragédia e comédia eles dizem, sobretudo, de um espaço de
esperanças invencíveis.

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