domingo, 27 de setembro de 1987

Dias e noites de amor e de guerra

            A primeira obra de Eduardo Galeano não é conhecida  do leitor brasileiro. Tampouco a segunda. Publicadas em 1963 e 1967, Los dias siguientes e Los fantasmas del dia del leon, respectivamente um romance e um livro de contos não atravessaram fronteiras o quê, em se tratando de  fronteiras latino-americanas – no que se refere à material bibliográfico – é bastante comum. O raro e, felizmente, isto pode acontecer, é a presença de um Eduardo Galeano no mundo editorial brasileiro onde o número de autores latino-americanos traduzidos, em relação à importância e à quantidade  de outros tipos de textos de qualidade duvidosa que tem a sua divulgação no Brasil garantida por uma política subserviente e nefasta, é muito reduzido.

            As quatro obras de Eduardo Galeano traduzidas e publicadas no Brasil apontam para  um interesse do leitor que outros escritores, embora conhecidos internacionalmente há mais tempo, não conseguiram despertar. Nem mesmo vencer um anonimato que só o tradicional desconhecimento que os latino-americanos nutrem através de gerações, uns em relação aos outros, pode explicar.  Como é o caso, aliás, de um Francisco Espínola ( o Paco Espínola citado por Eduardo Galeano ) de quem , um único texto, o conto  “Rodriguez” seria suficiente para colocá-lo entre os melhores  contistas latino-americanos.

            Em 1975, ano em que foi publicado, pela Sudamericana, La canción de nosotros, foi traduzido Vagamundo. Três anos depois, As veias abertas da América Latina, A canção de nossa gente e Dias e noites de amor e de guerra. Os contos, o ensaio, o romance e os relatos de Eduardo Galeano. Nestes, a necessidade de contar o amor, o prazer dos sentidos, o sofrimento de ver cair mais um companheiro, o esboroar-se de um trabalho. O eu não é detestável mas, na América Latina, espaço mais do que tudo de prioridades, ele é menos importante  e cede lugar, obliterando os plátanos e as gaivotas de Montevidéu, seu cheiro de mar e de carne na brasa, para falar nos outros. E os pequenos textos se tornam belos momentos líricos nesse enlace homem/mulher, amigo/amigo, pai/filho, avó/neto. Na maioria, porém, os momentos são decisivos para os marginais do Sistema. Aqueles que fazem com que a América Latina seja mais do que um simples território ocupado: o pintor, escritor, poeta, estadista, cantor, ensaísta, antropólogo, jornalista. Lembrados  como cidadãos numa atividade do cotidiano e depois como vítimas condenadas ao silêncio ou à morte. As figuras, então, desaparecem   mas  fica o heroísmo teimoso, entre a dúvida e o medo que levam à   outro espaço onde vai se repetir a mesma luta desigual: Argentina, Brasil, Chile, Equador, Guatemala, Venezuela. Presos. Torturados. Desaparecidos. Exilados. Mortos.

            Os pontos de interrogação se alargam para o leitor. Perguntas de respostas desconhecidas. Perguntas que ele, Eduardo Galeano, não responde e que poucos responderão.Porque talvez seja muito mais penoso do que indagar – poço publicar? – o questionar a utilidade do ato de escrever.

            Para quem leu as obras anteriores de Eduardo Galeano é vidente a insistência em narrar certos fatos que são comuns e cotidianos na  América: o Sistema, a Máquina.  E’quando a ficção e o depoimento – que são esses  relatos, se entrelaçam. Certos verbos se repetem: bater, atirar, prender, matar, ferir, delatar, torturar, repetindo os que aparecem ou apareciam  na Imprensa.

            Sem dúvida,  a busca de liberdade é valida e inadiável; possuí-la é poder, também, denunciar o que corrói os países e massacra o povo.  Esta foi a opção de Eduardo Galeano. Mudados que sejam  um nome por outro, um fato por outro, um lugar por outro o que é narrado em Dias e noites de amor e de guerra é matéria sobejamente conhecida. Mas, como aquele personagem que punha numa caixa recortes de jornal para reler de vem em quando e, assim, não deixar esmorecer sua indignação, o livro de Eduardo Galeano  é de leitura imprescindível e urgente.

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