domingo, 23 de agosto de 1987

Das origens


            Há muitos anos, já Ricardo Latchamn falava do nosso grande continente mestiço, expressão que inspirou o título de um livro de Mario Benedetti: Letras del Continente mestizo (Arca Montevidéu, 1967, 1970). Ao endossar-lhe a expressão, Mario Benedetti o faz perfeitamente convicto de que a mestiçagem da América Latina, certamente, contribuiu para a riqueza de seus temas, de seus enfoques, de seus estilos.

            LITERATURA DO CONTINENTE, cuja proposta é tratar dos textos desse nosso Continente mestiço que as políticas editoriais impedem de atravessar fronteiras, não repete, apenas,  na sua rubrica  uma expressão contida no  título da obra de Mario Benedetti . Sobretudo,   estará impregnada  das lições que esse professor uruguaio, afastado de sua cátedra pelo exílio, foi espalhando numa obra que abarca vários gêneros ( poesia, conto, romance, teatro, critica, ensaio) e cuja leitura – desculpe-se o chavão – resulta imprescindível, seja pela qualidade dos textos ficcionais, seja pela agudeza das idéias expressas nos seus textos de critica.

            Letras del continente mestizo é composto de vários trabalhos sobre autores contemporâneos – importante leitura para quem se interessa pela Literatura latino-americana – e de quatro breves ensaios  (“Ideas y actitudes en circulación”, “ Situación del escritor en América Latina”, “ Sobre las relaciones entre el hombre de acción y el intelectual”, “El boom entre dos libertades”) cujos assuntos embora escritos há quase duas décadas, se revestem de grande validade e de grande pertinência  para  a compreensão dos fenômenos literários do Continente e dos espaços que os abrigam.  Um Continente que, na ótica de Benedetti, ao abrigar analfabetos e famintos  irá exigir do escritor uma dupla responsabilidade: aquela relacionada com a sua arte e a outra, com o meio no qual se insere a sua vida . Para enfrentar tais responsabilidades, caberá ao escritor uma vigilância sem trégua que lhe garanta a liberdade artística e de opinião. Porque não é raro que a hipotética linha divisória que separa a expressão criativa da  responsabilidade humano do escritor se mostre um tanto quanto diluída. Assim,  o escritor latino-americano, – habitante de territórios cujos governos são avaros  na concessão de direitos do cidadão – deve estar apto para mensurar conceitos de liberdades e suas práticas. Assim, para mencionar dois caminhos,  ou ele usufrui da liberdade vigiada, concedida pelo Estado, aquela que permite, apenas, a veiculação de determinadas idéias e de determinadas atitudes; ou, insubmisso a tais diretivas, por qualquer mínima infração, recebe as sansões de praxe. Então, há os que recebem subsídios para a realização de tarefas intelectuais de entidades que reconhecidamente representam modelos de penetração cultural  ou se comprometem com programas oficiais que reafirmam a marginalização das classes. E, há os que, pelo delito de não se curvarem às orientações cerceadoras, são passíveis de serem condenados ao desemprego, à prisão, ao exílio, à morte como todo  habitante contumaz de um espaço  onde imperam a ditadura e o subdesenvolvimento.

            São matizes que adquirem, sem dúvida, inegável presença na discussão sempre vigente sobre as funções do intelectual, do artista, do escritor na sociedade na qual ele deve se constituir um elemento de vanguarda.

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