Há
muitos anos, já Ricardo Latchamn falava do nosso grande continente mestiço, expressão
que inspirou o título de um livro de Mario Benedetti: Letras del Continente mestizo (Arca Montevidéu, 1967, 1970). Ao
endossar-lhe a expressão, Mario Benedetti o faz perfeitamente convicto de que a
mestiçagem da América Latina, certamente, contribuiu para a riqueza de seus
temas, de seus enfoques, de seus estilos.
LITERATURA
DO CONTINENTE, cuja proposta é tratar dos textos desse nosso Continente mestiço
que as políticas editoriais impedem de atravessar fronteiras, não repete,
apenas, na sua rubrica uma expressão contida no título da obra de Mario Benedetti . Sobretudo,
estará impregnada das lições que esse professor uruguaio,
afastado de sua cátedra pelo exílio, foi espalhando numa obra que abarca vários
gêneros ( poesia, conto, romance, teatro, critica, ensaio) e cuja leitura –
desculpe-se o chavão – resulta imprescindível, seja pela qualidade dos textos
ficcionais, seja pela agudeza das idéias expressas nos seus textos de critica.
Letras del continente mestizo é
composto de vários trabalhos sobre autores contemporâneos – importante leitura
para quem se interessa pela Literatura latino-americana – e de quatro breves
ensaios (“Ideas y actitudes en
circulación”, “ Situación del escritor en América Latina”, “ Sobre las
relaciones entre el hombre de acción y el intelectual”, “El boom entre dos
libertades”) cujos assuntos embora escritos há quase duas décadas, se revestem
de grande validade e de grande pertinência
para a compreensão dos fenômenos
literários do Continente e dos espaços que os abrigam. Um Continente que, na ótica de Benedetti, ao
abrigar analfabetos e famintos irá
exigir do escritor uma dupla responsabilidade: aquela relacionada com a sua
arte e a outra, com o meio no qual se insere a sua vida . Para enfrentar tais
responsabilidades, caberá ao escritor uma vigilância sem trégua que lhe garanta
a liberdade artística e de opinião. Porque não é raro que a hipotética linha
divisória que separa a expressão criativa
da responsabilidade humano do escritor
se mostre um tanto quanto diluída. Assim, o escritor latino-americano, – habitante de
territórios cujos governos são avaros na
concessão de direitos do cidadão – deve estar apto para mensurar conceitos de
liberdades e suas práticas. Assim, para mencionar dois caminhos, ou ele usufrui da liberdade vigiada,
concedida pelo Estado, aquela que permite, apenas, a veiculação de determinadas
idéias e de determinadas atitudes; ou, insubmisso a tais diretivas, por
qualquer mínima infração, recebe as sansões de praxe. Então, há os que recebem
subsídios para a realização de tarefas intelectuais de entidades que reconhecidamente
representam modelos de penetração cultural ou se comprometem com programas oficiais que
reafirmam a marginalização das classes. E, há os que, pelo delito de não se
curvarem às orientações cerceadoras, são passíveis de serem condenados ao desemprego,
à prisão, ao exílio, à morte como todo habitante contumaz de um espaço onde imperam a ditadura e o
subdesenvolvimento.
São
matizes que adquirem, sem dúvida, inegável presença na discussão sempre vigente
sobre as funções do intelectual, do artista, do escritor na sociedade na qual
ele deve se constituir um elemento de vanguarda.

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