sexta-feira, 7 de agosto de 1987

Alfonsina Storni, a mulher amorosa

            Numa obra que se espalhou pelo Continente (La inquietud del rosal, El dulce daño, Irremediablemente, Languidez, Ocre), ela cantou quando todas se calavam. Alfosina Storni, uma poetisa que, sem medos, deixou que fluíssem de seus versos o amor. Um amor que pode ser doloroso ao se esgotar em triunfos e tristezas de um viver feminino em dasacordo com a sua época. E que não a deixa cega para o sofrimento que, eventualmente, vislumbra em Buenos Aires: a miséria que sabe existir e contra a qual se reconhece impotente.

            O amor a explodir no corpo de uma mulher  que se queria submissa (vou cair a teus pés sob a lua cheia,  sou um lírio caído aos pés de  uma montanha, caio entre tuas mãos pequenas como pássaro), que se queria perfeita (deusa criada por Afrodite com as flores dos bosques, mármore morno e palpitante ). Para assim, submissa e perfeita, cumprir o eterno ritual feminino (banhei-me na fonte, perfumei-me as mãos, penteei meus cabelos  e para agradar-te me vestirei de branco) e realizar a entrega para a qual  presume-se ter sido criado o ser feminino.

            Uma entrega ansiosa, feita de esperas e de perdas. Uma espera de lírio pisoteado, de pássaro branco, de loba que irá culminar, ao atender o chamado do corpo, naquele fazer-se mãe que os preconceitos repudiam. O que a fará dizer : o ventre que se dá sem reticências / põe um sopro de Deus nos seu pecado . Loba entre as ovelhas temerosas,  pobrezinhas e mansas ovelhas do rebanho, procura o oásis, o descanso, a paz do homem amado: buscarei teu peito para aninhar este peso enorme que levo na alma.

            Entre os amores que passam, que morrem, que enganam vai- se enredando o desprezo que sente por certos homens, por certas leis que a encarceram: o homem que a exige pura, intacta quando, há muito, ele deixou de sê-lo. As leis que regem o relacionamento amoroso dos bem pensantes. Entre a indignação diante dos olhares e risos que acompanham o seu caminho e o anseio do amor e de amar, ela se divide, se constrói ou se descobre um ser  hesitante que ora se mostra fera, ora um sutil e leve ser alado. Porém, sempre, uma certeza. Dessa certeza, a voz que se levanta fala de angústias, de solidão, dos momentos plenos que tanto podem significar um grande amor pela vida, como o êxtase originado de uma carícia ou o sentimento que a faz sustentar no seu ombro a cabeça adormecida do velho que viajava a seu lado no bonde.

            E’um sentir que ampliado de seu mundo para o mundo dos outros, irá dar matizes e poemas que inscreverão Alfonsina Storni entre os poetas que não  apenas são capazes de criar a beleza mas, também, de enunciar conceitos capazes de levar à transformações.                          

                        Homem pequenino / Estive na gaiola, homem pequenino / Homem pequenino, gaiola me dás / Digo pequenino porque não  me entendes / Nem me entenderás. / Tampouco te entendo, mas enquanto isso / Abre-me a gaiola que desejo escapar; / Homem pequenino, te amei meia hora, / não me peças mais.

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