domingo, 30 de dezembro de 2007

As frutas


            Em meados de 1500, exclamava Lope de Aguirre: Já que o vice-rei, marquês de Cañete, não pode enforcar de um só golpe quatro mil soldados espanhóis que andamos aos trancos e barrancos pelo Peru, sem ocupação e sem destino e como sabe de sobra que a fome e a ociosidade estão na origem de todas as rebeliões, nos oferece entradas e descobertas no Sul e no Oriente através de selvas tenebrosas e rios indomáveis, que se achamos glória será para o Rei e se achamos a morte será para nós mesmos. Como o documenta no livro Lope de Aguirre , Príncipe de la Libertad, Miguel Otero Silva, que, entre ficção e realidade, relata a sua atribulada história, nela há um momento em que poderia viver tranqüilo em Cuzco, domando cavalos. No entanto, desse mister, embora sendo um verdadeiro mestre, estava impossibilitado pelos ferimentos recebidos numa das contendas em que se digladiavam os espanhóis na busca de poder e de riqueza que os havia trazido para o Continente. A mãe de sua filha havia morrido e ele, sem possibilidades de sustentar a menina, se engajou, como centenas de outros, na expedição que partia em busca do ouro. Mas temendo que em Cuzco ela ficasse à mercê de todos os abusos, a leva consigo e, também, duas mulheres para cuidá-la. Longo foi o tempo passado na selva e na correnteza dos rios, a enfrentar todos os perigos e lutando para vencê-los tanto quanto para conseguir alimentos. Ele está sempre atento para que a menina e as mulheres que dela se ocupam não passem fome seja conseguindo o que é distribuído entre os soldados, seja levando víveres numa arca ou aproveitando o que a natureza do Continente oferece. Então, colhe as frutas que tenta definir, pois não lhe conhece os nomes: Arrancamos das árvores uma grande quantidade de saborosas e estranhas frutas: umas verdes em forma de pêra que esconde uma polpa amarela e suave, outras douradas e de um gosto ácido que franze os lábios, outras gordas e carnudas como maçãs mas de casca dura e grandes sementes.


            Em Los nacimientos, primeiro volume de Memória del fuego,  o texto “Por amor de las frutas”, cuja fonte é História General y natural de las Índias de Gonzalo Fernandes de Oviedo y Valdés, é um entusiasmado testemunho sobre os sabores que o autor encontra nas frutas ao chegar na América, em 1514. Começa Eduardo Galeano dizendo que o recém chegado, prova as frutas do Novo Mundo e enuncia suas opiniões: a goiaba lhe parece superior à maçã; a graviola possui bela aparência, uma polpa úmida e branca e suave sabor. O mamey pede repetição e tem um cheiro muito bom: Não existe nada melhor. Porém, ao morder uma nêspera, certo de que nada pode a ela se comparar, corrige: a nêspera é a melhor fruta. No entanto, quando descasca o ananás seu perfume o deixa sem palavras para lhe exaltar as virtudes. Ainda assim, conclui: Esta supera todas as outras.

            Outros europeus foram chegando para ficar e, com eles, pouco a pouco, também, as frutas – uvas,  pêras, maçãs, pêssegos, melões – trazidas pela saudade dos sabores ou pela negação em aceitar, como bom, o que era próprio do Continente.

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