Se,
na História da América ele é um figura controversa, na obra ficcional, Lope de Aguirre, Príncipe de la Libertad
(Seix Barral, 1979) que lhe refaz as andanças, se revela digno
personagem desse Continente em que se entrelaçam a grandeza e as atrocidades e
as misérias trazidos pelos conquistadores ibéricos. Seu destino foi longo e,
principalmente, cruel: enriquecer e perder os bens; possuir poder, e ser
humilhado. Revolta-se contra Felipe II, rei da Espanha, escrevendo-lhe uma
carta e, depois, lutando contra a sua autoridade no Continente. No seu viver
atribulado, percorrendo espaços desconhecidos, enfrenta perigos, perversidades e
traições; seu olhar para o universo que descobre é parco e mal registra o que
vê: terra lavrada pelos índios, florestas, montanhas, planícies, enormes lagos.
E, cursos d’água que servem como caminhos para que os ibéricos se internem,
ainda mais, no Continente em embarcações leves e em balsas feitas de troncos.
Navegando em rios que desconhecem, se detém horas inteiras em inesperados
remansos, avançam entre perigos pelos turbilhões desmedidos, perdem o rumo,
levados pela correnteza que os lança contra as margens até chegar à foz do
Ucali. No grande encontro das águas, diz Lope de Aguirre é um cataclismo de cega alegria um furacão de vidros e palmeiras um
turbilhão de grandes árvores truncadas, uma turva anarquia de peixes e
tartarugas um sonâmbulo céu tempestuoso, um cruel reflexo de emplumados
infernos [...]. Exatamente aí é onde nasce o rio Amazonas, diz Lope de Aguirre.
Segue por ele e, de repente, pela margem esquerda irrompe o rio Canela. Nesse
ponto, diz, é que o Amazonas se torna
irreparavelmente universal e o navegante, começa a se sentir mínimo ou
infinito conforme a opinião que tenha de si mesmo. Ele, embora ciente de já
estar velho rengo e desdentado, tem a
certeza de valer mais do que todos, na disposição de coroar com seu braço as
façanhas mais incríveis. Não as realizou. Tampouco conseguiu se livrar de um
julgamento que o fez vítima de tiros e de ser decapitado. Não sem antes
proclamar que Felipe II receberia, na História, o epíteto de tirano e que, ele,
Lope de Aguirre, seria proclamado o Príncipe da Liberdade.
Hoje,
ao escrever sua história, o venezuelano Miguel Otero Silva o mostra como uma figura profética a anunciar, para os que
vieram depois e almejaram, a liberdade para o Continente.

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