domingo, 9 de dezembro de 2007

Fialho d´Almeida e o Imperador



            Revolução picaresca, assim chama Fialho d’Almeida a instalação da República no Brasil ao iniciar o seu texto, depois reunido, como os demais que escreveu sob a rubrica Os Gatos, em cinco volumes, publicados pela Livraria Clássica Editora de Lisboa. Na sua matéria jornalística, ele comenta a chegada do Imperador D.Pedro II, recambiado para a Europa onde desembarcou em Lisboa. Desembarque em que encontrou, segundo Fialho d’ Almeida, as caras de cortiça do séqüito do snr. D. Carlos, e a refilante matilha de repórteres, ávida de conspurcar a majestade do infortúnio com a inexprimível solércia das interviews, obscenizada por essa absoluta falta de pudor dos que fazem da alcovitice um ganha pão. Ainda que, em certo momento, afirme sentir uma ponta de ternura pelos dois nobilíssimos velhos destronados, o desprezo que sente pelo jornalismo miúdo que prospera nas reportagens que acompanharam os dez primeiros dias do Imperador na cidade o leva a imaginar uma estapafúrdia entrevista que, ao se propor ridicularizar o entrevistador, torna também, o entrevistado um personagem burlesco e ridículo. Primeiro, ao dar a mão molemente ao homenzinho, com a resignada bondade de que, há muito se entretém, como Esopo, a fazer falar os animais. Logo, a se antecipar às perguntas, respondendo sobre o cardápio de seu jantar e sobre as suas intimidades higiênicas. O que levou o entrevisteiro a farejar algo de novo, a influência da roupa branca na queda das dinastias e ao ensejo de formular perguntas e respostas de um mau gosto desolador. Antes disso, menciona a quase inexistente presença da colônia brasileira, constrangida e desdenhosa, para recepcioná-lo na chegada. Porque uma possível simpatia por D. Pedro II não tinha mais sentido, pois, exaustorado, já não daria pensões a artistas e estudantes, nem nomearia cônsules ou plenipotenciários e nem brasileiros, nem portugueses abrasileirados  podiam, então, pretender auferir vanglória ou espórtula de vulto!. O que, no entanto, não irá impedir o entrevisteiro, antes de formular a derradeira pergunta – uma restauração será possível? – de pedir dez tostões emprestados. Ao que D. Pedro II, nesse diálogo imaginado, responde: Ai de mim! Reaver o império é quase tão impossível como reaver os dez tostões. Na verdade, o esboço de um perfil caricatural de D. Pedro II que, pouco tempo antes, Fialho d’Almeida definira, em outro artigo, como figura venerável. Assim, embora, alguma vez, pudesse mostrar simpatia pela figura de D. Pedro II, o registro feito  de sua chegada a Portugal parece ser, apenas, uma oportunidade a mais para achincalhar a monarquia. E o faz com o ímpeto verbal que lhe é particular em que a mediocridade se faz presente tanto quanto as expressões estilísticas e as construções inventivas que o situam entre os grandes escritores portugueses de sua época.

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