domingo, 2 de dezembro de 2007

Érico Veríssimo e Miguel Torga


            Em 1976, a Editora Globo de Porto Alegre, publicava o segundo volume de Solo de Clarineta, livro de memórias de Erico Veríssimo. Dividido em duas partes, a primeira é feita de quatro capítulos dos quais “Mundo Velho sem Porteira” é constituído de suas impressões da viagem que se iniciou, em 1959, no Rio de Janeiro, a bordo do transatlântico Federico C. Comenta o rotineiro das caminhadas depois do café da manhã ao redor do promenade deck, das permanências à beira da piscina, dos aperitivos antes do jantar, a festa na passagem da linha do equador, a escala em Las Palmas. As demais páginas, são dedicadas a Portugal. Primeiro, as gaivotas que acompanham o barco desde o momento em que deixa o oceano e navega pelo Tejo até o porto de Lisboa. Depois, as homenagens recebidas, as conferências que fez antes de iniciar a viagem pelo norte e pelo sul do país. Na recepção que lhe oferecera o embaixador do Brasil, perguntara por Miguel Torga. Assim, ao chegar a Coimbra, onde o escritor residia e clinicava, pediu que lhe fosse dado o ensejo de conhecê-lo. Desse primeiro encontro, o descreve como um homem magro, quase anguloso que, ao apertar-lhe a mão, não pronunciou as conhecidas frases de pura cortesia e que lhe contou um episódio ocorrido com um escritor brasileiro a quem levara para conhecer a Sé Velha. Lembra Miguel Torga ter percebido o seu desinteresse pelas preciosidades artísticas do interior da igreja e que, ao sair, lançou-lhe um olhar rápido e morno, emitindo a douta opinião: Muito bonitinha. Sem dar tempo para que Érico Veríssimo, se possível, desculpasse o confrade, observou-lhe que tão  somente tinha conversado com estudantes oriundos de famílias ricas e situacionistas o que lhe daria uma idéia falsa da mocidade coimbrã. Porque, no meio dela, havia, também, estudantes pobres, desses que lutam para conseguir seu diploma e que não são politicamente alienados. A pedido de Érico Veríssimo, acedeu em reunir numa das repúblicas de Coimbra, alguns desses estudantes. No jantar simples oferecido, respondeu Erico Veríssimo às perguntas que lhe fizeram e opinou sobre os portugueses que até então pudera observar. E, logo, antes de iniciar a conferência programada, numa sala repleta, saúda Miguel Torga como um dos mais notáveis prosadores da língua portuguesa. Teve receio que sua frase laudatória o desgostasse e que ele, brusco e bravo, se retirasse do recinto. Mas, na primeira fila, Miguel Torga sorriu e agradeceu, como a desmentir o que diziam dele: espinhento como um cacto, duro como a paisagem de sua província natal. Sobre a sua  obra – até então, livro e lenda – Erico Veríssimo confessa a sua admiração: prosa enxuta, precisa, clara. Seus contos e romances, bem como seus poemas, estão cheios de mitos agrestes e duma simbologia bíblica. Arraigadamente regionais, nem por isso deixam de ter um sentido universal. Notam-se nos escritos de Torga um profundo amor à terra, aos bichos, às plantas, às coisas agrestes e um fascínio pelo mar[...]. Palavras elogiosas que não perderam o valor com o passar do tempo como o demonstram os diversos textos críticos que homenageiam Miguel Torga neste ano em que é comemorado o centenário de seu nascimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário