Em
1976, a Editora Globo de Porto Alegre, publicava o segundo volume de Solo de Clarineta, livro de memórias de Erico Veríssimo. Dividido em duas
partes, a primeira é feita de quatro capítulos dos quais “Mundo Velho sem
Porteira” é constituído de suas impressões da viagem que se iniciou, em 1959,
no Rio de Janeiro, a bordo do transatlântico Federico C. Comenta o
rotineiro das caminhadas depois do café da manhã ao redor do promenade deck,
das permanências à beira da piscina, dos aperitivos antes do jantar, a festa na
passagem da linha do equador, a escala em Las Palmas. As demais páginas, são
dedicadas a Portugal. Primeiro, as gaivotas que acompanham o barco desde o
momento em que deixa o oceano e navega pelo Tejo até o porto de Lisboa. Depois,
as homenagens recebidas, as conferências que fez antes de iniciar a viagem pelo
norte e pelo sul do país. Na recepção que lhe oferecera o embaixador do Brasil,
perguntara por Miguel Torga. Assim, ao chegar a Coimbra, onde o escritor
residia e clinicava, pediu que lhe fosse dado o ensejo de conhecê-lo. Desse
primeiro encontro, o descreve como um homem magro,
quase anguloso que, ao
apertar-lhe a mão, não pronunciou as conhecidas frases de pura cortesia e que lhe contou um episódio ocorrido com um escritor
brasileiro a quem levara para conhecer a Sé Velha. Lembra Miguel Torga ter
percebido o seu desinteresse pelas preciosidades artísticas do interior da
igreja e que, ao sair, lançou-lhe um olhar
rápido e morno, emitindo a douta
opinião: Muito bonitinha. Sem dar
tempo para que Érico Veríssimo, se possível, desculpasse o confrade, observou-lhe
que tão somente tinha conversado com
estudantes oriundos de famílias ricas e
situacionistas o que lhe daria uma idéia falsa da mocidade coimbrã. Porque,
no meio dela, havia, também, estudantes
pobres, desses que lutam para
conseguir seu diploma e que não são politicamente alienados. A pedido de
Érico Veríssimo, acedeu em reunir numa das repúblicas de Coimbra, alguns desses
estudantes. No jantar simples oferecido, respondeu Erico Veríssimo às perguntas
que lhe fizeram e opinou sobre os portugueses que até então pudera observar. E,
logo, antes de iniciar a conferência programada, numa sala repleta, saúda
Miguel Torga como um dos mais notáveis prosadores
da língua portuguesa. Teve receio que sua frase laudatória o desgostasse e que ele, brusco e bravo,
se retirasse do recinto. Mas, na primeira fila, Miguel Torga sorriu e agradeceu,
como a desmentir o que diziam dele: espinhento
como um cacto, duro como a paisagem
de sua província natal. Sobre a sua
obra – até então, livro e lenda – Erico Veríssimo confessa a sua
admiração: prosa enxuta, precisa, clara.
Seus contos e romances, bem como seus poemas, estão cheios de mitos agrestes e
duma simbologia bíblica. Arraigadamente regionais, nem por isso deixam de ter
um sentido universal. Notam-se nos escritos de Torga um profundo amor à terra,
aos bichos, às plantas, às coisas
agrestes e um fascínio pelo mar[...]. Palavras elogiosas que não perderam o
valor com o passar do tempo como o demonstram os diversos textos críticos que
homenageiam Miguel Torga neste ano em que é comemorado o centenário de seu
nascimento.

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