O
Coronel Baltasar Antão, diante da carta que chegara lacrada, anunciando a
chegada do hóspede francês, determinara que lhe fosse proporcionado o melhor e
como deveriam tratá-lo, quais os copos para o vinho, a louça que iria guarnecer
a mesa, as roupas de cama de cambraia fina, o fogo sempre aceso para o seu
conforto. E, partiu para a guerra, ao saber que os castelhanos alcançavam
vitórias, deixando a estância nas mãos do capataz e, na casa, a mulher e os
filhos.
Na
manhã em que chegou o hóspede, Isabel, a filha assumindo as ordens da casa – a
mãe a se recusar sair do quarto, o pai a dizer-lhe, antes de partir Para o francês, o melhor – foi ditar, na
cozinha, o cardápio para o almoço: umas
comidas leves, galinha ensopada, papa
de moranga, arroz, e de sobremesa mingau. Para o hóspede friorento que, ao
chegar, em meio a chuva, se aproximara muito do fogo e tinha as mãos cuidadas, brancas,
os dedos longos e finos, o cabelo cor de
trigo maduro, de ouro, melado, Isabel decidiu calafetar todas as frestas
das janelas, pôr no quarto, junto da cama, um pelego para que não esfriasse os
pés ao se levantar. E que, tampouco, lhe serviria abóbora, carne de ovelha, feijões retovados de lingüiça e charque,
mas compotas suaves, galinhas
aferventadas, os frutos em doce,
muito leite. Porém, no primeiro almoço, o francês, provando de tudo,
tornava a se servir, os olhos buscando as
travessas com voracidade e gosto, feito não comesse há dias. Diante desse
prazer com o qual ele comia, Isabel resolveu servir o melhor da casa e não
pratos sem gosto. Assim, quando a escrava, no final da refeição, veio servir o
mingau, ordenou que levasse de volta e trouxesse a ambrosia: Logo na mesa estava a compoteira de cristal,
deixando ver o doce lustroso e amarelo, mergulhado em espessa calda. Ainda
que, no passar dos dias, o jantar quase sempre fosse a repetição do almoço, o
hóspede jamais deixava de elogiar, definindo como uma grande refeição, como um
banquete, o que lhe era oferecido.
Depois,
no jogo da conquista amorosa, Isabel, embora cheia de tentações, quase cedendo
à teia de encantos com que ele a envolvia, obedeceu a seus princípios e se
negou. Não, porém, Micaela, a mãe. Na ânsia de experimentar o que jamais tivera,
sucumbiu à tentação e à noite, ao acreditar que a casa adormecia, encontrava a
vida num quarto que não era o seu. Levados pela índia que estava a seu serviço,
encontrava os fiambres, frangos assados,
pastéis de Santa Clara, bolos cobertos de ovos moles, vinhos e licores e,
sobretudo, as surpresas das entregas e
das posses.
O
hóspede francês aceitava o que lhe era ofertado e criava ilusões pois, deveras,
era pouco o que tinha para dar. Foi-se embora no escuro da noite. Isabel
festejou a volta do pai. Micaela, incapaz de retomar a aridez de sua vida de
casada, joga a definitiva cartada. É, então, como se tudo voltasse a ser como
antes e, intocadas, permanecessem as virtudes da casa, expressão que dá título
ao romance de Luiz Antonio de Assis Brasil, gaúcho de Porto Alegre, publicado
em 1985.

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