domingo, 30 de setembro de 2007

Acácia mimosa


            Há cinqüenta anos atrás, em 1957, aparecia, de Pablo Neruda o seu Tercer libro de las Odas. Como Odas elementales (1954) e Nuevas odas elementales (1956), o Poeta procurava a clareza e a simplicidade, pois quisera a sua poesia dirigida a todos os homens. E canta o que está a seu redor: os elementos (o ar, a chuva, a tormenta), os animais (os peixes, as aves), as quatro estações do ano, os sentimentos, a mulher amada, os poetas, os homens simples. E, entre muitos, os mais surpreendentes como tema poético: o arame farpado, as meias, o fígado, o sabão, a batata, o tomate, a cebola. Guiadas pelos seus sentidos e pelas emoções, há, entre suas odes, como em outros poemas, inclusive de diferentes épocas (exemplo perfeito é o poema “Pájaro” de seu livro póstumo Jardin de invierno), aquelas que fazem parte dos que certos críticos chamam de poesia de circunstância. O que não o impede de nela expressar, algo de muito profundo, enraizado no mais recôndito de seu ser e que emerge diante de uma impressão, de sua facilidade em se comover. Assim, “Ode a uma flor azul ”, flor encontrada num passeio que faz pelo campo, perto do mar. Assim, “Ode à acácia mimosa” árvore se lhe apresenta aos olhos quando se dirigia ao porto, provavelmente, de manhã porque inicia o poema dizendo que o vapor ou névoa ou nuvem o rodeavam e que ia quase dormindo quando uma montanha de luz amarela, / uma torre florida / irrompeu no caminho e tudo / se encheu de perfume. Era uma acácia mimosa. Este último verso da primeira das três estrofes introduz a presença da árvore em expressões que a revelam muito além do simples pavilhão florido como é anunciada na segunda estrofe. Ao longo do poema será catedral do pólen, profunda cidade das abelhas, sol terrestre, explosão de perfume, cascata, catarata, cabeleira de todo o amarelo derramado, torre de luz fragrante, prévia fogueira da primavera. Uma presença que impressiona o Poeta, deixando-o sem fala ao comparar um Chile hibernal à árvore que em meio ao sombrio da estação, dava gritos amarelos; ao ter, diante de si, a árvore amarela, / amarela / como nenhuma coisa pode sê-lo,/ nem o canário. Nem o ouro, / nem a pele do limão, nem a gesta. E a louva por se antepor ao inverno como / um militar valente que, sem roupas e sem armas, enfrenta os batalhões de chuva. E a proclama colméia do mundo. Para então, como já o fizera repetidas vezes, confessar a ânsia  panteísta: ser besouro, ser vespa, ser pavão. E, igualmente, como tantas vezes, exprimir o desejo, usando a primeira pessoa do plural, queremos, incorporando-se a outros homens ou fazendo a sua voz, também ser a de todos na vontade de mergulhar no tremor perfumado da árvore, na sua copa amarela, até ser, apenas, perfume. 

            São mais de cem versos, de uma a dez sílabas, em que o Poeta registra o irromper da magia no seu prosaico andar pela cidade: a visão da árvore florida, o perfume que dela se expande. Também, como é tão próprio dele, pensar no seu país de montanhas geladas onde a árvore, no seu esplendor, lhe concede o direito de lhe determinar um destino – ser colméia do mundo – e de expressar não apenas o seu querer mas o querer de todos.

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