[...] fui uma das oito pessoas que com
Matilde velamos o poeta durante a noite do 24 ao 25 de setembro de 1973 na La
Cascona saqueada e ultrajada. Caminhei pela Avenida La Paz com o cortejo
fúnebre ladeado pelas metralhadoras hostis do regime e fui testemunha da
cerimônia popular, espontânea e maravilhosa, com que sepultamos ao poeta no
Cemitério Geral de Santiago. Hernán
Santiago
Em alguns versos, por vezes, Pablo Neruda
fala do mês de setembro no seu país. Em
“Primavera no Chile”, inicia o poema que pertence ao livro La Barcarola ( 1967), definindo como belo mês de setembro na sua
pátria, coberto com uma coroa de vime e
violetas. A estrofe de seis versos
muito longos é toda feita de metáforas
em que o mês possui braços dos quais
pendem dons terrestres; possui olhos
que matam o inverno; em que o sábado é amável e sexta feira abre suas mãos; e
que voam ameixas e caldos de lua e peixe.
A segunda estrofe, igualmente de versos muito longos fala, então, do Chile
percorrido na geografia dos sentidos em
que a melancia é feita de fulgor, os
pêssegos, redondos de luz e delícia,
o orvalho, de aroma de menta. A pátria procurada, em vão, nas outras terras e que
se mostra para ele, no seu mar clamoroso
nas suas águas pesqueiras, no seu peito de prata abundante, nas suas montanhas escarpadas. E da emoção que o
une a ela, minha pátria, ele repete,
expressa numa primeira pessoa que a percebe no paladar, no olfato, no olhar; a imagina vestida pelo vento e pela pedra; a deseja dona de si mesma.
São versos em que as normas do dizer são
desafiadas ( Oh amor na terra que tu percorrerias que eu atravessamos), em
que os poucos adjetivos criam o desconhecido ( Sul sigiloso, penetrantes
diamantes de menta), em que a comparações querem exemplificar os
inigualáveis sabores da melancia e dos
pêssegos chilenos. Em que sua presença, revelada nos verbos e nos
pronomes de primeira pessoa, sobressai, principalmente, nos dois últimos versos: e inclinado, arrastando os pés, quando caminho nas montanhas mais altas
/ eu diviso na neve invencível a razão de tua [chilena] soberania.
Seis anos se passaram da publicação do
poema que, juntamente com outros de La
Barcarola registram, auto-biográficos,
momentos da vida do Poeta ou de suas emoções. Em 1973, na sua casa junto ao
mar, Pablo Neruda, já estava muito doente. E o último setembro que lhe coube viver foi, primeiro,
desalentador nas notícias que lhe
chegavam pelo rádio depois, deveras
trágico. No dia 11, o Chile foi privado
de sua soberania - alcançada na ação
democrática das urnas - numa ação
programada, como as outras tantas que igualmente ultrajam os países do Continente. O poeta, ainda conseguiu escrever as últimas
páginas de suas memórias mas, certamente, saber da morte de Salvador Allende e
se dar conta que o tempo de terror instaurado seria longo,o
fez, mais depressa, se deixar
morrer.
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