domingo, 2 de setembro de 2007

O choupo


            O choupo brotou sozinho no meio do campo e, no começo, pensou que era somente um reles capim. Porém, um dia, notou que ultrapassava esse capim que o rodeava e sentiu os galhos. Na primavera, irromperam, muito verdes, suas folhas e, ao anoitecer, o sol atravessando seus ramos o acendo como um lâmpada verde. É’ a hora em que chegam os passarinhos barulhentos, procurando, entre suas folhas, o lugar para dormir. Ele se lembra da primeira vez que sentiu no seu galho um deles, agitado montinho de plumas e da primeira vez que um ninho, pacientemente cortado e enlaçado com pequenos gravetos se pousou numa forquilha. Procurou não se agitar e, para protegê-lo, o rodeou de muitas folhas, mais do que as que haviam crescido no ano anterior. Ao chegar o final do verão, os filhotes pularam do ninho e ele sentiu as finas pequenas patas se movendo nos seus galhos a tomar impulso e por fim se lançar e cair no ar como uma folha. E diz o narrador: Uma árvore no verão é quase um pássaro. Ela se cobre de plumas barulhentas que agita com o vento[...], toda passarinho, ave de madeira na sua verde gaiola de folhagem. E, ainda: que o choupo crescia tanto para cima como subterraneamente, feito, então, de longos e úmidos ramos nacarados que penetravam na morna noite da terra. Um dia, de manhã, vislumbrou o bosque e, ao cair da tarde, as árvores iluminadas como um incêndio. Para elas, dirigiu suas raízes, desejando saber muitas coisas, solitário, se enchendo de tantas perguntas como de pássaros ao entardecer. E o narrador acrescenta: As árvores propriamente não dormem, adormecem sobretudo no inverno quando as altas estrelas deslizam pelos seus galhos despidos como finas gotas de orvalho. É quando sentem com mais força todas aquelas vozes e sinais da terra. E o choupo percebe a vida a seu redor: os animais noturnos que saem de suas tocas e roem a escuridão; o pássaro que voa em direção à luz de uma casa; os grilos que vibram no meio do capim como cordas de cristal; o cão latindo à distância. O narrador também sabe o que significa para o choupo o inverno: ele sente um leve puxão, o cair da primeira folha. Ela voa para o chão. Depois, caem as outras e os galhos mais velhos adormecem e o sono avança sem, contudo, chegar ao coração. A chuva lhe escurece os ramos e a geada os deixa brilhantes como se fossem de amêndoas. Então, chega setembro e um agradável formigamento sobe da escuridão da terra. Sua casca se reanima, os galhos se espreguiçam, irrompem os brotos novos. Logo está, outra vez, coberto de folhas verdes e firmes que brilham ao sol e fazem, parte da sombra que ele projeta no chão.

            Figura central de “La balada del álamo carolina”, relato que dá título ao livro de contos, publicado, em 1975, em Buenos Aires, sua biografia de apurada  e terna delicadeza faz parecer impossível que seu autor, Haroldo Conti, tenha sido assassinado pela repressão de seu país que, certamente, considerou seus escritos perigosos demais para serem lidos pelos argentinos.
 

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