domingo, 16 de setembro de 2007

O inimigo


 


            Em 1990, a Arca de Montevidéu publicou uma antologia poética de Mario Benedetti cujos poemas, parte de treze de seus livros, se inscrevem entre 1948 e 1981. Longo itinerário de uma aventura literária que expressa os percalços de sua vida, oriundos das opções políticas condenadas pelos desgovernos reinantes nos países latino-americanos, os chamados do amor, o olhar testemunho.

            De seu livro Cotidianas (1978-1979), “De árbol en árbol”( “De árvore em árvore”) é um poema de sete estrofes díspares – dois, três, quatro, cinco, seis, oito versos – que se mostra colmado de perguntas ingênuas, fantasiosas, que dir-se-iam irrespondíveis não fosse um chamado à realidade, o penúltimo verso, a serra das grandes madeireiras,  certamente, razão primeira do poema. Nele, versos pressupõem possíveis sentimentos humanos nas árvores: As árvores / serão, talvez, solidárias?”Nesse caso, elas podem se preocupar com outras, ainda que não da mesma espécie, como consta na terceira estrofe em que o carvalho da Westfália, que sabe, avisará o lariço do Tirol para que administre melhor sua terebentina; ou, eventar a hipótese de que a seringueira do Pará e o Baobá das margens do rio Cuanza, provocarão, finalmente, o fim da grande angústia / daquele cipreste  da mission  Dolores em Frisco, na Califórnia; ou outra, se os cedros do Líbano e os mognos de Corinto terão consciência de que seus inimigos não são as palmeira de Camaguey, nem os eucaliptos da Tasmânia mas elementos estranhos que estão a serviço dos homens ou aqueles inevitáveis que vem da própria natureza. Tais espécies distintas – também se refere ao quebracho, à oliveira, ao umbu, à ceiba, ao agárico – e próprias de regiões geográficas longínquas entre si,  não deixam, igualmente, de estarem a mercê de um destino comum: o machado do lenhador e a cobiça sem fim e sem consciência dos que vivem da exploração das riquezas naturais.


            O poema, de versos brancos ignora, exceção daquela que inicia o primeiro verso, todas as maiúsculas  o que, no que se refere aos topônimos, torna o texto marcado com algo de mistério. Porque, se alguns remetem a lugares conhecidos -  Campos Elíseos , Tirol, Pará, Corinto, Líbano – outros somente são conhecidos de uns poucos: Jaén ( cidade da Espanha), Tacuarembó ( cidade uruguaia), Cuanza ( rio de Luanda), Frisco ( cidade da Califórnia),  Camaguey  ( Cuba), Tasmânia ( Austrália).

            Num ritmo e tom de dizer  prosaico, o lirismo se encontra, então, somente na antropomorfização das árvores e só no que o homem possui de elogiável : a solidariedade, a disposição em ajudar e, talvez, essa ingenuidade que o torna incapaz de perceber de onde provém o Mal. Para as árvores, Mario Benedetti não tergiversa: seus vorazes inimigos – quão fácil é localizá-los  nesse  mundo globalizado onde fronteiras se diluem diante da possibilidade de lucro – são aqueles que usam das serras e dos machados. Eventualmente,  também natureza  pode ser cruel no seu raio  a se mostrar como um látigo da noite.  

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário