A
capa e a contra-capa são de um azul que esmaece e nele apenas o nome da autora
e o título da obra. Publicado neste 2006, Azuis:poemas é o segundo livro
de Sigrid Renaux e aparece vinte e sete
anos depois de sua estréia com Do mar e de outras coisas. Ao todo, são
cento e cinqüenta e oito poemas que expressam a emoção diante dos lampejos de
luz e das nuanças onde reina o azul a marcar a terra com suas ilhas e suas
dunas, as águas do mar e da lagoa, um pinheiro, um barco; a definir a noite, o
céu, a brisa, o sol da manhã, o orvalho. O azul onde se insinua o verde das
folhas e do mar, o verde-ouro das árvores, o amarelo dos marfins, o rosa das
flores da paineira, o branco das ondas. É o olhar, atento, que, também,
surpreende o sol entre as agulhas do
pinheiro, as folhas do plátano, os ciprestes a cinzelar seus verdes, o
perpassar do outono nas folhas do caquizeiro. Que vislumbra o olhar do sabiá preso
à uma chuva de ouro / soprada pelo vento,
o ciscar de gravetos do joão-de-barro, os pardais pousados sobre os fios de
luz, a imobilidade de uma garça. Pássaros que, muitas vezes, são presença num
canto que paira luminoso / lá do lado do
sol, que num jardim adormecido / irrompe / incontido, nas
suas melodias que impregnam a noite / com
gotas de madrugada.
Um
mundo revelado na singeleza de mistérios: hortênsias que se entreolham, tuias a
guardarem o sol das dálias e o sabor dos
araçás. E a esse mundo, entrelaçando-se, a voz poética a se desvelar nas
reminiscências que irão se constituir o itinerário de uma biografia. Neste
itinerário, a silhueta dos pinheiros – esmaecidos na luz do dia, deixando
luzir, entre suas “gulhas, o
amanhecer, a pairar na distância de uma
tarde de verão – fazem vislumbrar Curitiba tanto quanto o canto do sabiá, atravessando a sonoridade da chuva,
gorjeando melodias infindas; o Saci e
a reinação das crianças do Sítio do Picapau Amarelo e a chácara distante: do longo
convívio com os livros, as lembranças de leitura oferecem temas; persistem vivas a emoção diante de um quadro, a sonoridade de uma peça musical. Muito
contida, a emoção que se enraíza nas origens a lembrar a figura materna. Apenas imagem distante, a
mãe que não mais existe e pode ser, nessa outra dimensão que desconhecemos, nuvem / estrela / flor, a repousar na sombra de dois cedros / entre lilases e a relva escura / de um jardim distante.
Na emoção de recordá-la e desejar presente, o verso diz que azuis / seus olhos repousam / nas rosas da
trepadeira / sobre o portão. Nas
estrofes seguintes, cores e luz e sombra no jardim onde, no verso os cedros ainda vicejam, o advérbio indica o tempo que passou.
Azuis:poemas
é feito de pequenas estrofes, quase sempre sem título, libertas de sinais
de pontuação e em que significados já despontam na expressiva disposição
gráfica. No tempo verbal presente, a determinar o agora e nos gerúndios, o
breve ou o longo prolongar desse presente. E no nomear das coisas que adjetivos
e epítetos enriquecem com significados inesperados – pinheiro / pincéis de agulhas verdes, outono / vôo vermelho e mortal das folhas, do outono das árvores / soltam-se
as folhas de um sol / esquecido – se instala um mundo de encantamento no
qual se inscreve, sobretudo o efêmero que existe no desencontro branco das ondas, nos pássaros suspensos / ousando
por um instante nas árvores. Porque do que é passageiro, Sigrid Renaux se
apossa: Eu tenho a tarde toda para olhar as nuvens / eu tenho a tarde para olhar /
a tarde. Assim, do lento ou
apressado deslizar das nuvens no céu, como do som do mar na madrugada e da luz
que bate nos seus olhos fechados, com o poder que é dado aos poetas, ela os
aprisiona em pequenos versos que palpitam de vida e de beleza.

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