Seu
Sinhô aparece no capítulo “Dois”. É o segundo negro. Vive na região de Caçapava
e é lá que o narrador o irá conhecer: deveria ter uns sessenta ou sessenta e
cinco anos, o rosto magro, o bigode fino e branco, as mãos imensas e se
surpreende – vivendo no meio de latifúndios – com os dados do IBGE, ouvidos no
rádio de que tem um hectare e meio para
cada brasileiro. No capítulo “Três”, é contada a trajetória de Airton (o
terceiro negro), irmão mais velho de Janéti e que saiu de casa aos dezessete
anos. Virou funcionário de uma escola de samba onde foi apresentado ao escritor
que vê nele, não apenas a criança renegada pelos pais, e sim alguém incapaz de esconder, especialmente nos
olhos, uma tristeza descomunal, uma tristeza ancestral, uma tristeza sem cura.
A história de Rosa, irmã caçula de Janéti, é contada no capítulo “Quatro”. É a
quarta negra, a única dos sete irmãos que não foi dada pelos pais, porém
entregue, à revelia deles, por Janéti, a uma colega de trabalho, dona Nair que
estava bem de vida e, na menina, encontrou a filha que o seu destino de
solteirona lhe havia negado.
Quatro
parcas vidas com seus breves momentos de felicidade, irrompendo num cotidiano
de trabalho e pobreza que o narrador, na convicção de que é o condutor da história, relata escolhendo
o cenário, explicando opções narrativas ou a verdade de um personagem,
experimentando enredos, demorando-se em digressões.
Digressões que se disseminam pelo texto. Como
considerações pretensiosas do narrador ao explicar a razão de não mais querer
ir a Canela – a cidade não possui livraria – e ao mencionar, talvez no intuito
de mostrar erudição, conceitos de escritores. Ou, como testemunho de realidades
que se lhe deparam quando vai para o interior do Rio Grande do Sul. Descendente
de imigrantes, o que ele considerava
campo era um espaço não muito distante da cidade, ocupado por canteiros, bretes,
cercas, pastos, chiqueiro, galinheiro, árvores. Em Caçapava, ele conhece a
imensidão do campo: maravilhoso, bruto,
telúrico, primitivo universo, recortado por grandes latifúndios e onde nas
partes dobradas em cerros e penhascos,
sem valor comercial, inscrevem-se pequenas fazendas de famílias pobres, donos
de umas poucas cabeças de gado. Não tiravam leite, não tinham horta, nem
criavam porcos ou galinhas, embora não tivessem muito o quê comer. Assim, os
pais de Janéti. Sem condições para alimentar os filhos que iam chegando, mal
nasciam iam sendo dados, passando a ser, na família, que os acolhia aquela figura agregada da tradição senhorial
brasileira que se desse sorte
encontraria casa, comida e carinho, mas que se desse azar viraria um saco de
pancada e trabalharia diuturnamente. Costume aceito na sua crueldade tanto
quanto a caçada de tatu e a marcação do gado e o pealo de cucharra nas quais se
detém o narrador. Momentos que registram um Rio Grande do Sul profundo e fazem de Quatro negros
não apenas um relato de sofridos e pequenos destinos mas, aquele que, no
testemunho e na ficção, também se quer documento.

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