No
ano de 1970, em sexta edição, ilustrada por Poty, era publicado O Coronel e
o Lobisomem pela José Olímpio cujo personagem, Ponciano de Azeredo
Furtado é natural da Praça de Campos dos Goitacazes, tanto quanto seu criador.
Nesse segundo romance, escrito vinte e cinco anos depois de Olha para o céu,
Frederico, José Cândido de Carvalho
concede voz a um dos personagens mais ricos da Literatura Brasileira para que
registre a sua aventurosa vida nas muitas terras - gado do
mais gordo, pasto do mais fino - abundantes em cobras, onças e assombrações que
herdou do avô; e suas prazenteiras estadas na Rua da Jaca , no Hotel das
Famílias e no Hotel dos Estrangeiros em Campos de Goitacazes. Numa linguagem de
inigualável expressividade, Ponciano de Azeredo Furtado se revela apaixonante
nas suas bazófias, zombarias, embustes, velhacarias, invencionices; comovente
nos rompantes de pena por um ou outro desvalido com o qual se depara e nos seus
desastrados enleios amorosos. Devoto de São Jorge, Santo Antonio e São José,
nos seus quase dois metros de altura, barba vermelha, cabelo de fogo e voz
grossa, ele confessa ser maluco por perna
de moça e ser o trabalho que mais aprecia o andar na poeira de um bom
rabo de saia. Incomodado amarra a cara, torce a barba, mede o assoalho em
demonstração de zanga, dá sopapos na mesa, fala alto, sem freio nos dentes, sem medir consideração” porém, afirma
que é mimoso no trato, de palavra educada.
E, por ter fama de ladrão de moça
solteira e ser por demais prudente nas lides amorosas é que se lhe escapam
Branca dos Anjos e dona Esmeraldina. O par de tranças e outras belezas de
Branca dos Anjos o levaram em trenzinho
de ferro e lombo de canoa até à
pequena cidade onde ela morava e de onde o pai, sabendo de sua chegada de conquistador,
a levou embora para o fundo do sertão
restinguento.
De
Esmeraldina, com suas covinhas no rosto, seus olhos d’água, sua mão de
bordado, sua boca de flor, seu pezinho de palma, branca, cabelo em formato de labareda, bonita de cegar, e mulher de seu amigo (e depois inimigo) Nogueira, ele se
tornou cativo. Acreditando no seu bem querer – que estava cada vez mais enfeitiçada,
cada vez mais vencida – garantiu os empréstimos de seu marido no banco sem
perceber que ela não fora domada pela sua lábia e sim ele o enganado por
palavras que julgou lhe fossem propícias. Ainda que a tivesse surpreendido,
voltando dos escondidos do jardim, em companhia de um outro, toda desajeitada, arrumando o cabelo como
saída de um abraço, persistiu no seu
trato cerimonioso. E quando a sós com ela se ateve à palestrinha mimosa de homem de salão e até resistiu ao desejo, por
achar que não combinava num ambiente de fina educação, de contar o caso da
sereia. A sereia que o chamou pelo nome, numa noite de luar quando saiu em pós
de uma capivara e sem dar por isso se achou na beira do mar alumiado de ponta a ponta. Apeou, mal
grado da inquietação de seu cavalo. Seu nome vindo de dentro d’água, na água se
atirou; seu nome vinha da terra e para a
terra quis voltar, quando já estava preso no fundo da onda e começou a
afundar na água morna. Algo de escamoso lhe roçou a barba e lhe tirou as forças
não o deixando pensar, nem escutar o mar ou o vento. Então, reagiu e, juntando
a brabeza inteira dos Azeredos e dos Furtados, avançou os dedos pelas escamas até ancorar numa curva desprevenida.
Espantado, escutou o canto mimoso e,
levantando o cativo da água, apareceu o
rosto de boniteza, cabelo de ouro pingando água e boca cheirosa. Precavido,
foi respeitoso no trato, elogiou o
seu canto e, carinhoso, a levou para o seco e a aninhou no seu colo onde ela
cantou o canto das maiores feitiçarias.
Para não se submeter a seu canto e encantos, recusou, com resposta forrada do mais fino veludo o casamento proposto
por ela, inventando compromisso com mulata
teúda e manteúda. Desgostosa, a sereia, muito triste, voltou para as ondas
do mar. Ele ainda a quis reter, segurando o seu cabelo mas ela escapou e nas
suas mãos ficou “um cacho de cabelo de ouro que ele
ofereceu, como um delicado mimo, ao amigo com o qual dividia as manhãs da
caçada de capivara. Então, abandonando os ermos, foi descansar no Hotel das
Famílias.
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