São muitíssimas as qualidades que Ponciano de Azeredo Furtado se atribui.
Algumas vezes, com forte convicção. Outras, diluindo-as numa humildade para
ninguém levar a sério. Ele se diz homem de comer
vivinho o querelante, de não haver desavença que não desmanche na força
do berro, de não ter medo de
assombração, nem medo de bala de capanga,
de não conceder a ninguém o
direito de falar mais alto do que ele, de ter peito de
mando. Mas, também, diz ser lavado de vaidade, não ser da
sua natureza vestir glória dos
alheios, nem dado a esconder glória
de ninguém, nem ser homem de
espalhafato ou alarde. Sempre admirado de uns e de outros, se compraz
em repetir os elogios que lhe fazem e permitir que os boatos sobre seus feitos
se espalhem pelos pastos e ermos, com a
rapidez que soe ser como a dos rastilhos de pólvora: Deixei correr o marfim que não sou de meter mordaça em boca de ninguém.
Então, nas assertivas, sempre entusiastas, dos que o
cercam é que Ponciano de Azeredo Furtado, a par de seus gestos, atitudes e
ações, vai-se construindo como um
personagem deveras inesquecível.
Na sua vida, decorrida entre o Sobradinho,
propriedade rural onde mora, a casa dos vizinhos e Campos de Goitacazes,
os sucessos se relacionam, principalmente com as tarefas empreendidas com o
fito de atender o que amigos e parentes vêm lhe pedir e com suas verdadeiras ou propaladas
lides galantes.
Algo de seu físico se delineia pelo olhar dos outros: daqueles que, nas
procissões, apontam para ele, embaixo dos
andores quando sua barba de fogo [...] arrancava
admiração , impunha respeito; ou,
pelo olhar anônimo dos que o vêm passar na sua mula
escovada, farda brilhosa, sela apurada. Pelo vulgo, é tido como homem recatoso, puxador de procissão mas suas inúmeras qualidades são
afiançadas pelos que, por razões de trabalho ou por amizade ou parentesco, com ele privam no dia
a dia. Assim, Juquinha Qintanilha, o capataz de uma de suas propriedade, o
elogia pela imensidão de sua bondade, pela sua educação e opina que homem com o seu preparo não pode
ficar enterrado nos pastos como chifre de
boi ou mourão de angico. Um comerciante de gado, numa festa de batizado,
diz que é militar de respeito, homem de instrução, o que é corroborado pelo dono do hotel onde se hospeda
quando está na cidade. E, pelo Juju Bezerra que, por ter estado a sua cabeceira quando foi derrubado
pela maleita, escutou o seu palavrório febril no qual pode computar mais
de quarenta nomes cabeludos [...]
fora coisa leve, como rabo-de-mãe, vaca e filho de égua. Conhecimento ao
qual se acrescem os forenses pois, como
dizem, ele põe “no bolso muito mocinho de anel no dedo e como
refere o Capitão Totonho Monteiro : -Não
há como o coronel para desembaraçar
uma lei. E, sobretudo, os feitos de
alcova. Afiançam muitos, da sua sabedoria no trato galante, que ninguém
como ele para arrebanhar menina de palco,
para manobrar gente da ribalta, que era o homem mais requerido
pelo povo de saia da cidade. É elogiado pelo seu tino comercial ao se
dedicar ao comércio de açúcar, firmando nome na praça como sujeito atilado que não
temia responsabilidade e pelo seu
faro ladino no jogo da especulação, ouvindo de Selatiel de Castro que - Nesse andar o coronel acaba dono de usina.
Igualmente é mentado pela mentalidade progressista ao determinar inusitadas
melhorias na sua propriedade rural, visando
o conforto da mulher pretendida ( sujeito
avantajado de tino, homem de arrojo, que
sempre corria na frente do progresso, diz um seu funcionário). E a sua valentia para enfrentar uma onça não fica a trás. Para os que o conhecem, não há dúvidas quanto
o ter ultimado a onça, uma onça sem medida e sem cautela. Assim, o
doutor do governo que foi até seus currais
no propósito de debelar uma vermina de
gado, cheio de admiração pelo seu feito, aumentou a façanha e no seu relato,
propala que o coronel só faltava montar a
onça de sela e arreio.
Ponciano de
Azeredo Furtado, nessas assertivas todas se vê a contento embora, por vezes,
elas não sejam a expressão sincera dos que a emitem.Tanto quanto as virtudes
que ele próprio se arroga, são elementos justapostos para lhe compor o
arcabouço de uma figura que medra, surpreendentemente, cativante. Se o que é
dito corresponde ao real ou ao inventivo, a fatura sinuosa do personagem só
acrescenta maestria à narrativa de José Cândido de Carvalho num romance que não somente é de leitura cativante,
mas um perfeito exemplar de narrativa e de achados estilísticos.
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