Em
1986, na entrevista a Ciro Bianchi Ross, em Havana, quando do lançamento em
Cuba de Lope de Aguire, Príncipe de la Libertad, Miguel Otero
Silva disse ser esse romance a sua obra de maior qualidade. Tardou cinco anos
em escrevê-la e consultou cento e oitenta livros sobre Lope de Aguirre, personagem controverso, acusado
invariavelmente de traidor e de assassino, mas tido por ele como uma figura
que anuncia o destino dos libertadores e que está no cerne do movimento da
liberdade americana. Lope de Aguirre, que imbuído dos conselhos do confessor da
família (vai para as Índias lutar contra o paganismo), de seu padrinho de
batismo, dono de moinhos de trigo (vai para as Índias em cujos mares as pérolas
têm o tamanho de uma noz e as montanhas, esmeraldas do tamanho de maçãs), do
velho tio, leitor de livros de cavalaria (vai para as Índias onde habitam as
sereias e as amazonas, onde a fumaça de folhas oferece aparições e cactos destilam um vinho transparente e embriagador) atravessa o
Atlântico, visando glória e riquezas. Em Cartagena, onde se alistou como
soldado com o fito de engrandecer os domínios da Espanha, não combateu, porém,
executando ordens, profanou sepulturas indígenas para roubar objetos de ouro
que eram enterrados com os mortos. Depois, foram humilhações e sofrimentos que
o levam, desiludido, a escrever uma carta a Felipe II da Espanha, condenando a
monarquia como forma de governo.
Editado pela
Seix Barral de Barcelona, em 1979, Lope de Aguirre, Príncipe de la
Libertad, se divide em três partes: a primeira, trata de Lope de Aguirre
como soldado; a segunda, como traidor; e a terceira como peregrino. Um destino,
iniciado num povoado espanhol, onde tem por ofício cuidar de cavalos e onde se
nutre de amor pela liberdade e que, serpenteando por Sevilha, Sanlúcar de
Barromeda, Ilhas Canárias, Cartagena, Cuzco, Potosi, Rio Amazonas, Ilha
Margarita, se cumpre quando morre pelos tiros de arcabuz dos que eram fiéis a
Felipe II. Inglório fim de uma vida de muitas lutas, na qual se emaranharam
façanhas inauditas, injustiças, maldades, assassinatos a se alternar com o
gozo, ainda que efêmero do mando, com a ânsia de vitórias. Quando lhe foi dado
conduzir, determinar ações, para formar um grande exército e liberar o Peru e o
Chile do poder espanhol, começou a se espalhar, entre os soldados, que ele
carregava dentro de si um pequeno demônio. Tinha a forma de uma nuvenzinha que
ninguém podia ver E, assim, surpreendia as vozes de traição e, em troca de sua
alma, o aconselhava e alertava dos perigos que o cercavam. Um pacto que Lope de
Aguirre firmou com o sangue de um de seus dedos, considerando ter feito um bom
negócio, pois vendeu uma alma cujo signo fatal não era outro senão o inferno.
Mandrágora, assim era o seu nome, lhe aponta traidores e, ao perceber que está
dominado pelo ódio, dança e sapateia
na sua alma porque embora saiba que ela está perdida e sem remissão, lhe agrada
constatar como Lope de Aguirre acumula pecados mortais. E continua a predizer
episódios sangrentos e terríveis e aconselhar maior rapidez nas ações para
fazer frente aos que pretendem sua morte e eles não são poupados. Esta presença
de Mandrágora é referida por Lope de Aguirre quando relata – são várias as
vozes do romance – suas aventuras no Continente. Uma presença que lhe parece
natural, ainda que se trate de um demônio que, segundo os Livros Sagrados, é
passível de estar em toda parte. Mandrágora, diz, é o seu demônio familiar, seu dedicado
diabo familiar, seu bom Mandrágora
que o obedece como um servo e o consola, repetindo o que escrevia São Jerônimo:
Deus, na sua infinita misericórdia, irá perdoar todos os que foram condenados
ao inferno, inclusive, Satanás e seus
anjos caídos. Também aquele que o fará saber que o Maligno jamais teve essa
figura com chifres, como é representado por pintores, mas é uma substância
invisível, entrincheirada na alma dos homens onde trava suas batalhas com Deus.
Embora Lope de Aguirre lhe siga os conselhos, em dado momento, admite que,
talvez, não seja a sua voz que ele escuta e sim a do seu próprio coração,
fantasiado de demônio familiar. Atraiçoa e mata antes de receber conselhos de
Mandrágora e quando ele desaparece, ele atraiçoa e mata, movido pela ambição e
pelo ódio. Como qualquer conquistador chegado no Continente.
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