Num marco de
início e fim, diluídos na imprecisão temporal, estão compreendidas as
peripécias que, numerosas, colmaram a vida de Ponciano de Azeredo Furtado. No
relato que delas faz, nada diz de seu nascimento, só menciona ter perdido pai e
mãe no gosto do primeiro leite e que
sob o capotão do avô passou os dias de menino pequeno; sua morte é referida
pela agulhada no centro do peito que o fez cair e, escutar, distante, alguém pedindo
uma vela, alguém chorando e sentir o sono
de paina que lhe fecha os olhos para dar acordo de si, em pé de sonho e cheio de alegria, a
galopar em pata de nuvem mais por cima
dos arvoredos do que um passarinho. Tudo o que irá contar, no entanto,
estará sob a égide do tempo, freqüentemente, sua duração ou transitoriedade,
indicado por horas, dias, semanas, meses, anos em notações ora precisas, ora
imprecisas.
Dadas
pelo relógio, apenas as dez horas são exatas. As demais, aparecem nuançadas por
diferentes expressões: a tarde devia
estar no ponteiro das três, depois
das sete, luar das oito horas, como o ponteiro do relógio abeirasse das
onze, no bafo do meio-dia, o roçar da meia-noite. A menção ao dia
aparece com o cômputo das vinte e quatro horas e, então, marcando um
determinado momento: morto o dia, o raiar do dia. Mais especificamente, de manhã, na manhã da eleição. Ou indicando passagem de tempo preciso (no quinto dia, dois dias andados, dois dias
adiante, meia dúzia de dias andados, dia e meio, uma braçada de dias, dia todo)
ou impreciso (varando os dias, caminhar dos dias) quando, igualmente, é
usado o termo madrugada: com a madrugada, toda madrugada, madrugada longe. Outras vezes, a ação acontece quando o
sol se oculta abaixo da linha do horizonte: de
noite, na mesma noite, certa noite e, não raro, um adjetivo aponta
para o adiantado da hora: noite feita,
noite funda, noite cerrada, noite alta.
E o tempo compreendido entre o meio-dia e a noite: na tarde, uma tarde, de tarde.
Os
dias da semana marcam o acontecer de sucessos de relativa importância: numa
segunda- feira ficou pronta a decoração de seu escritório na cidade; no sábado,
os cochichos sobre a sua valentia diante da onça e, em outros, sua presença no
camarote para ver um espetáculo de revista; num domingo, a lembrança do convite
recebido para almoçar, a promessa de ir jantar em casa do amigo Fonseca, o
ajantarado na casa do então amigo Nogueira e a chegada de seu capataz para
pedir ajuda no caso da onça. E fatos que o emocionam: num domingo leva para a
estação o seu primo Juca Azeredo e sente
um aperto no peito ao saber que seria o padrinho do filho que o primo
pretendia ter e que levaria o seu prenome; numa segunda-feira, recebe a afronta
de chegar na casa de Nogueira, convidado para jantar e encontrar a casa fechada,
os donos ausentes. E no sábado que entrava e saia se esboroavam os seus
feitos galantes diante de Isabel Pimenta, a moça pretendida.
Várias
são as expressões relacionadas com o tempo que se apresentam diferenciadas.
Quando, por exemplo, a nota temporal se quer definida, mas é enunciada com termos
que a deixam imprecisa: dia bem crescido
e amamentado, no relógio do luar
lembrou que era hora dos gatos. Ou, quando se apresenta em função de algum
ruído ou olor: De manhã, na primeira
modinha do sabiá laranjeira, a madrugada já estalava nos matos, a canto de galo, as cigarras do meio-dia, o
cuca do relógio abriu na algazarra das
dez, já o cheiro da madrugada, no cheiro do café, na primeira aragem da manhã. Ou, ainda,
quando vinculada a algum fenômeno meteorológico: hora do sol a pino, no orvalho da manhã, no primeiro clarão do sábado, a primeira estrela da noite, no começo
das águas, sábado de chuva
plantadeira, domingo puxador de vento
e nuvem, decaía a tarde e do lado do mar soprava um vento
invernoso que limpava o céu de tudo que era passarinho.
Entremeadas
de “achados estilísticos”, elas reafirmam o cenário ficcional e contribuem para
o esboço do personagem-narrador, eixo do romance. No serpentear das ações e no
tecer dos sentimentos, esse minucioso registro temporal de O Coronel e o
Lobisomem privilegia detalhes sem que por tal razão se esmoreça o ritmo da
narrativa que José Cândido de Carvalho sabe reger muito bem. Tanto quanto todas
as demais astúcias e sapiências para atingir a perfeição do relato.

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