Com o intuito de escrever um arrazoado que mostrasse Frederico a olho nu, o personagem
narrador termina por fazer um retrato de si mesmo em que se mostra um
verdadeiro anti-herói. Eduardo de Sá Menezes inicia o relato com a sua ida para
São Martinho, propriedade de seu tio Frederico para que dele se torne o
herdeiro. Órfão, fora criado como filho pelo tio Nabuco e pela tia Nica e, aos
dez anos, é enviado para a casa do tio solteirão e ficar sob a sua
responsabilidade. Na velha casa, passa a viver como um menino triste, encafuado
pelos cantos. Recebe aulas do padre Hugo e, de vez em quando, a bênção do tio
que um dia se casa. Eduardo de Sá Menezes foi crescendo e, então, a jovem
mulher do velho tio o inicia no aprendizado dos tratos amorosos. Depois, o tio
morre e, como previsto, o deixa um herdeiro grandemente beneficiado em terras e
dinheiro no banco. Seu caráter não fora moldado e, a princípio, se dedicou a
cuidar portas adentro da viúva e dos bens que recebera sem que, para isso,
tivesse movido uma palha. Logo, a fortuna nas mãos, faz com que sinta o poder
que dela emana. De ver tanta submissão ao
meu redor, tantos cumprimentos e
louvações, dei de engrossar a voz, ele diz. Ao primeiro grito e ameaça,
proferida diante da cabeça de vinte anos
de serviço que se abaixava com a humilhação, tomou gosto pelo berro e se arvorou em valente para desfeitear os
subalternos e se convencer de seus brasões. No casarão de São Martinho, ao
chegar, encontrara paredes dobradas,
antiga morada de barões e pratarias antigas, veludos, retratos, histórias de
riqueza e velhos cetins deixados nos
gavetões. E o tio sempre preso ao trabalho o que o fez matutar: O mundo de meu tio era feito de terra. O meu
era dos barões. Um mundo perdido, enterrado com o meu bisavô Pedro Lisa. Um
mundo de invenção. Mundo que ele quer reinventar. Primeiro, manda pedir ao
tio Nabuco, em carta cheia de efes e de
erres, os desenhos com o brasão da
família para pintá-lo na entrada de São Martinho; numa noitada de bebedeira e
gritando que era barão, bisneto de Pedro
Lisa, quer abrir as veias para que vissem a cor de seu sangue. O
companheiro de esbórnia, um jornalista que já o havia elogiado pelo poderio da
usina, com as novas máquinas que fizera instalar em São Martinho, lembra que
ele tinha sangue de barão e seguindo os seus desvarios, menciona-lhe o brasão
onde pontifica um javali vermelho e três estrelas douradas. E desanda a distribuir
título de nobreza para o pessoal de saias do bordel; a si mesmo, o de Conde
Papa-Moça, numa jocosidade burlesca, ampliada ao se referir às armas que teria
o seu brasão, destruindo, assim, os elogios feitos à nobreza de Eduardo de Sá
Menezes. Que não foi levada a sério pela viúva do tio quando, zangada, afirma
que os Sá de Menezes não passavam de uma cambada
de parasitas; nem pelo jornalista que, mais tarde, acompanha os seus
escritos a opinar que o Barão de Sá
Menezes é um bugre. Só falta a flecha; tampouco pelo seu empregado que
mandando e desmandando em São Martinho, de copo na mão, lhe diz aos gritos: Barão feito nas coxas, barão de meia cuia.
E o nome
graúdo, cheirando a barão, que ele,
ainda menino, quando foi para a casa do tio Frederico, sabia que não lhe seria
de ajuda, não o impele a lutar pela propriedade, perdida, como tudo o mais, em
esbanjamentos. Chegara de mãos vazias, fora colmado de riqueza e por preguiça e
inépcia vai embora sem ter nada de seu. Só os seus rabiscados e a sensação de
liberdade: não precisar dar ordens aos outros, não ter mais responsabilidades e
zelos.
Com o fito de recomeçar a vida, pede dinheiro
emprestado, pensa no dote da moça a quem havia prometido casamento e compra um
emprego público. No espelho, se enxerga um anão
de gente, capaz de caber num dedal, mas, convencido de que não é nem melhor
nem pior do que ninguém, acha que é sempre
uma garantia mamar no governo. Segue os passos dos outros parentes: almeja
se pendurar num emprego público, desses que rendem um samburá de dinheiro por mês para não fazer nada, só assinar meia dúzia de papéis.
Olha para o
céu, Frederico!: romance acontecido em Campos dos Goitacases nos dias do gramofone
foi publicado em 1939, estréia de José Cândido de Carvalho no campo da
ficção. Ao reeditá-lo, em 1974, pela José Olympio, diz que “é um romance de título longo e texto curto. Um belíssimo texto curto em que a
narrativa se faz num ritmo e numa tessitura sem entraves e se enriquece na
expressividade da linguagem, cujos vocábulos e imagens regionais com ela estão
em acorde. Sobretudo em que o personagem, em todas as suas ridículas facetas,
quase setenta anos passados de sua criação, continua sendo o retrato de muitos
que ainda vicejam por este vasto território nacional.

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