Em
1990, a Mercado Aberto de Porto Alegre, lançou Velório sem defunto,
título considerado provocador, sob o qual se reúnem setenta e cinco poemas de
Mario Quintana. Num deles, “O nome a as coisas”, cujo primeiro verso pergunta Para que estragar a simples existência das coisas com nomes arbitrários?, o
poeta confessa sonhar com uma linguagem
composta unicamente de adjetivos / Como deve ser a linguagem das plantas e dos animais. Um desejo que leva a pensar em
adjetivos que se justapõem, se acumulam, surpreendem pelo inaudito, semeados a
mãos cheias pelos trezentos e setenta versos que, agrupados em estrofes de dois
a treze e quinze versos, formam os poemas que compõem o livro. No entanto, eles
são apenas cento e quarenta e dois e seu emprego, em geral, não foge do
coloquial: perna esquerda, seda preta, astros noturnos, boca fechada,
paixões pessoais, próceres internacionais, vida inteira, medo terrível, homem sozinho. Muitos, se apresentam
pospostos ao substantivo ao qual se referem, porém, poucas vezes, em
combinações inusitadas (borboletas
estrídulas, céus antidiluvianos)
entre as quais, as mais significativas são que aparecem seguidas de um
complemento nominal: cheiro evanescente
de chocolate, vôo rasante dos
pterodáctilos, voz sinuosa de
serpente, paz compulsória dos
cemitérios, colherinha morta no chão.
Igualmente sem muita força expressiva, os adjetivos que funcionam como
predicativo do sujeito (Deus é diferente,
Só Deus é imparcial) e os que são
modificados por um advérbio (homem
eternamente escravo, Cosmos
infinitamente grande / E o micróbio infinitamente
pequeno, O aparte mais espontâneo,
eles são muito suscetíveis, ele era tão inconstante) quando sobressaem, pelo número,os que são procedidos
de mais, que os intensifica (moças mais lindas, a coisa mais solitária do mundo é um solo de flauta, Não há nada mais chato na vida / Do que um cachorro sem pulgas...). Como
exceção, dois casos: ficaremos [ele e seu
Anjo da Guarda] redondamente mortos no chão, árvores de um verde assustadoramente ecológico. Quando o adjetivo
aparece posposto ao substantivo impera, exceção feita de bíblica vergonha, sobretudo, o prosaico (belas negrinhas, queridos
enganos, vão saber, meigo olhar, saudosos parentes, vasto mundo. Poucas são as vezes em que o
poeta emprega dois ou três adjetivos para qualificar o mesmo substantivo e,
tampouco neste caso, o seu emprego é sempre digno de nota. Ou se apresentam
pospostos e antepostos, ligados por vírgulas: (amor solidário, profundo),
ou pela conjunção aditiva “e” (ingênuos e
queridos tempos, cidade bombardeada e
deserta); ou, com um adjetivo
posposto e o outro anteposto ao substantivo: terrível mundo atual, as nossas intrometidas tias são eternas,
última janela acesa). Em outros
casos, em combinações inesperadas como O
sol derrama, na calçada, / A sua bela, matinal
urinada! do poema “Amanhecer” ou como “Na
solidão da noite / uma vaca, uma abençoada / vaca / muge: / o seu mugido é um
rio de veludo morno, / voz de mãe e de amante: / quente e cariciosa.../-a mesma
voz que tu, antes de me abandonares ,/ Tinhas sempre comigo!” do poema
“Bucólica”.
Muito
raro é Mario Quintana usar três adjetivos para qualificar o mesmo substantivo.
Tal acontece quando se refere ao poema que -por
mais leve, mais breve, por mínimo que
seja preenche todo o espaço do qual a medida é o homem; ou quando define a
sua alma: alma de violoncelo / -grave,
profunda, triste.... E, curioso, ser o adjetivo próprio, própria o único a aparecer várias vezes nos seus versos: próprios Anjos, fantasma próprio, própria voz, própria vida (duas vezes). Como, também curioso, terem sido uns dez
poemas do livro, construídos sem um único adjetivo. O que não os priva do que
guiou, sempre, os seus versos: a espontaneidade e a emoção. Como se fossem
pautados na linguagem que ele imaginou ser a das plantas e a dos animais.

Nenhum comentário:
Postar um comentário