Plenos
poderes foi publicado em 1962 e os trinta e seis poemas que o compõem se
constituem, no dizer de Emir Rodríguez Monegal, como as outras obras que vieram
à luz entre 1958 e 1964, a fecunda expressão outonal de Pablo Neruda. São
pequenos poemas a cantar o mar, a água, o cardo, a primavera; outros, mais
extensos, como o que historia a construção de sua casa “La Sebastiana” desde a
hora em que a planeja (Primeiro a fiz no
ar) até deixá-la pronta para florescer (trabalho
para a primavera); houve o trivial – cimento, ferro, vidro, pregos,
aldrava, fechaduras – e a emoção de salvar as portas sem muro, quebradas, / amontoadas em demolições,/ já memória,/ sem lembrança de chave. Também, os que
lembram de amigos muito especiais: o músico Acario Cotapos, que, para ele,
transformou o idioma num desmoronar de
cristais; o velho arrumador de relógios, o antigo herói dos minutos, Asterio Alarcón. Ainda, os que parecem
nada dizer num jogo feito de sons e de imagens. Como caminho a conduzi-los, um
indagar de si mesmo que ora se mostra assaz tristonho, assaz alegre; por vezes,
faiscante na troça que nunca é inocente. No poema “Al difunto pobre”, o tom
jocoso se instala nos versos iniciais. Ao usar o possessivo de primeira pessoa
do plural, acompanhando o termo pobre
que será repetido, justaposto e sem pontuação, ainda duas vezes; ao usar o
verbo no futuro para uma ação a ser realizada em tempo muito próximo: A nosso pobre enterraremos hoje / a nosso
pobre pobre. Na segunda estrofe, ainda se servindo de um pleonasmo,
entrelaça o verbo habita com o
substantivo habitante na intenção de
apontar para a incongruência de que esse pobre, somente passa a significar algo
depois de morto. Porque vivo, nada possuiu. Nem casa, nem comida, nem alfabeto, nem lençóis. Só o trabalho
duro de cavar a terra inculta, picar pedras, cortar trigo, molhar a argila, transportar
a lenha. Ao morrer, Por sorte, e é estranho, se puseram de acordo /todos desde
o bispo até o juiz / para lhe dizer que terá céu. Com o lírico, o cômico, o
irônico, o burlesco vai se fazendo a história de vida de quem nunca esperou tanta justiça.
Sobretudo, a
persistir, o eu que está presente no confessar o seu dever de poeta (oferecer o
som do mar a quem não o escuta), a sua submissão diante da vida (não tenho mais remédio que viver), no
dizer da amizade, das indagações que o habitam. De suas muitas certezas. Não
raro, assume a voz dos homens. No poema “Los nacimientos”, o primeiro verso
afirma, prosaico e inquestionável: Nunca
recordaremos ter nascido. Os seguintes referem o viver – um cotidiano que
pacientemente anota o transcorrer do tempo e o carinho ofertado – e, outra vez,
constatam que o minuto de morrer é deixado sem menção. Como também, o momento de
nascer. Agora, o Poeta se dirige a si mesmo ou a um interlocutor para dizer o
que é sabido: que do momento de nascer, nada é lembrado, nem um ramo/ da primeira luz. Restando, somente, essa verdade, Sabe-se que nascemos, verso que se constitui uma estrofe para, que, na estrofe
que se lhe segue, referir o momento, seja ele numa sala, num bosque, numa choça
de pescador, nos canaviais em que uma
mulher se dispõe a parir. Outra
vez, a mesma estrofe de um verso, porém com verbo no passado, a introduzir
aquela em que o Poeta registra a passagem do não ser para o existir:
ter mãos e olhos num viver que é feito de alimentos e de lágrimas e do amar e amar e sofrer e sofrer. Como
registra a figura da mãe, aquela mulher
desabitada no cenário em desordem. Conclui, novamente a se dirigir a si
mesmo ou a um interlocutor, que nada do
mar bravio que levantou uma onda ficou na memória. A última estrofe do
poema também de um só verso, determina: não
tens mais lembranças do que a tua vida. Síntese de uma vivência de
maturidade em que as lembranças afloram e são ordenadas para os textos em
prosa, “Vidas del poeta” que escreve para O CRUZEIRO Internacional
e para os poemas de Memorial de Isla Negra. Inventários de alegrias e
angústias que o Poeta relata sem pejo porque sabe que falar de si é a melhor
maneira de falar de todos.

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