domingo, 2 de julho de 2006

O Poeta perguntador: Veinte poemas de amor.




            Numa entrevista, concedida a Rita Guibert, em janeiro de 1970, instado a falar sobre Veinte poemas de amor y una canción desesperada, Pablo Neruda lembra que, no prólogo da edição que festejava terem sido vendidos, desse livro, um milhão de exemplares, ele havia dito não entender a razão pela qual um livro de amor triste, de amor doloroso, continua sendo lido por tanta gente, por tanta gente jovem. Dois anos depois, a Editorial Losada comemorava os dois milhões de exemplares em espanhol, repartidos numa trintena de edições: um número surpreendente para um livro de versos que, pese a sua importância na obra nerudiana – críticos asseguram que esses poemas são o verdadeiro ponto de partida de sua poesia – não recebeu, ainda, a merecida atenção dos estudiosos de sua obra.

            Os poemas desse pequeno livro de Pablo Neruda foram escritos entre 1923 e 1924 e se inspiraram em duas ou três figuras femininas que ele se recusou, sempre, a nomear, embora, alguma vez, tenha prometido dar uma explicação sobre cada um desses poemas de amor. Na Conferência pronunciada na Universidade do Chile em 1954, quando, segundo Margarita Aguirre (Las vidas del poeta, Santiago, Zig-Zag, 1967), fala muito de si mesmo, ele argumenta que não levaria a nada citar nomes. Assim, nesses vinte poemas, elas se fundiram na figura de uma amada única. Em meio a cenários, povoados pela tempestade, pelo mar, pelo crepúsculo e, em meio a um mundo que se precisa num porto, num campo de espigas, num bosque, por vezes, num insinuado aspecto da cidade, a mulher se esboça. Tem o corpo de madrepérola ensolarado, braços de pedra transparente, mãos suaves como as uvas, voz de pássaro, cintura de nevoeiro, luminosos olhos, sorriso da água. Sua presença se oferece como guia (Marca meu caminho em teu arco de esperança), ente protetor (para sobreviver te forjei como uma arma,  / como uma flecha no meu arco, / como uma pedra no meu estilingue), consolo (es tu[...] onde meus beijos andam e minha úmida ânsia se aninha), amante desejada (“Quero fazer contigo / o que a primavera faz com as cerejeiras). Junto dela, o Poeta se ancora em suas próprias ansiedades: na solidão, se depara com o inatingível (Só guardas trevas, fêmea distante e minha); na tristeza em que mergulha, busca preservá-la (para que entristecê-la). Ou, vibrante, se exibe na emoção de amar (Aqui te amo e em vão te oculta o horizonte) e de possuir (Fui marcando com cruzes de fogo / o atlas branco de teu corpo, Na rede de minha música estás presa, meu amor); e, melancólico, no desvanecer do amor (é tão curto o amor, e é tão longo o olvido).

            Um universo amoroso que acredita, afirma, proclama. Por vezes, interroga. Para reafirmar seu preito de amor: Quem escreve teu nome com letras de fumaça entre as estrelas do sul?; para indagar, da amada, uma ausência que, na verdade, está a se instalar nele mesmo (Quando chego no vértice mais atrevido e frio / meu coração se fecha como uma flor noturna.) Para constatar que a presença feminina é, para ele, estranha, alheia, sem valor, ao pretendê-la parte de objeto inanimado e perguntar-lhe o que era – vareta de um imenso leque – enquanto ele soçobra em meio ao sofrimento e à solidão. Para descobrir o desconhecido: Quem chama? que silêncio povoado de ecos? Para lamentar não ter estado com a amada, de mãos dadas, na hora do crepúsculo e com a alma apertada de tristeza, querendo saber, e lhe pergunta, onde estava, com quem.

            Das certezas de poetar e das suas indagações, se alimentam os enigmas líricos, eles próprios uma reposta que o Poeta perguntador, surpreso, desconhece: Por um milagre que eu não compreendo, este livro atormentado tem mostrado o caminho da felicidade a muitos seres.

 

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