
Os
poemas desse pequeno livro de Pablo Neruda foram escritos entre 1923 e 1924 e
se inspiraram em duas ou três figuras femininas que ele se recusou, sempre, a
nomear, embora, alguma vez, tenha prometido dar uma explicação sobre cada um
desses poemas de amor. Na Conferência pronunciada na Universidade do Chile em
1954, quando, segundo Margarita Aguirre (Las vidas del poeta, Santiago, Zig-Zag,
1967), fala muito de si mesmo, ele argumenta que não levaria a nada citar
nomes. Assim, nesses vinte poemas, elas se fundiram na figura de uma amada
única. Em meio a cenários, povoados pela tempestade, pelo mar, pelo crepúsculo
e, em meio a um mundo que se precisa num porto, num campo de espigas, num
bosque, por vezes, num insinuado aspecto da cidade, a mulher se esboça. Tem o corpo de madrepérola ensolarado, braços de pedra transparente, mãos
suaves como as uvas, voz de pássaro,
cintura de nevoeiro, luminosos olhos, sorriso da água. Sua presença se oferece como guia (Marca meu caminho em teu arco de esperança),
ente protetor (para sobreviver te forjei como uma arma, / como uma flecha no meu arco, / como uma
pedra no meu estilingue), consolo
(es tu[...] onde meus beijos andam e
minha úmida ânsia se aninha), amante desejada (“Quero fazer contigo / o que a primavera faz com as cerejeiras).
Junto dela, o Poeta se ancora em suas próprias ansiedades: na solidão, se
depara com o inatingível (Só guardas
trevas, fêmea distante e minha); na tristeza em que mergulha, busca
preservá-la (para que entristecê-la).
Ou, vibrante, se exibe na emoção de amar (Aqui
te amo e em vão te oculta o horizonte) e de possuir (Fui marcando com cruzes de fogo
/ o atlas branco de teu corpo, Na
rede de minha música estás presa, meu amor); e, melancólico, no desvanecer
do amor (é tão curto o amor, e é tão
longo o olvido).
Um
universo amoroso que acredita, afirma, proclama. Por vezes, interroga. Para
reafirmar seu preito de amor: Quem
escreve teu nome com letras de fumaça entre as estrelas do sul?; para indagar, da amada, uma ausência que, na
verdade, está a se instalar nele mesmo (Quando
chego no vértice mais atrevido e frio / meu coração se fecha como uma flor noturna.) Para constatar que a presença
feminina é, para ele, estranha, alheia, sem valor, ao pretendê-la parte de
objeto inanimado e perguntar-lhe o que era – vareta de um imenso leque –
enquanto ele soçobra em meio ao sofrimento e à solidão. Para descobrir o
desconhecido: Quem chama? que silêncio
povoado de ecos? Para lamentar não ter estado com a amada, de mãos dadas,
na hora do crepúsculo e com a alma apertada de tristeza, querendo saber, e lhe
pergunta, onde estava, com quem.
Das
certezas de poetar e das suas indagações, se alimentam os enigmas líricos, eles
próprios uma reposta que o Poeta perguntador, surpreso, desconhece: Por um
milagre que eu não compreendo, este livro atormentado tem mostrado o
caminho da felicidade a muitos seres.
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