Alguns deles
tem como cenário o que vai sendo visto numa viagem de carro (ruas de uma
pequena cidade, sítios com plantas e árvores, o areal branco, paisagem rubra, de pedras e raros arbustos, paisagem seca, de muitos gravetos,
uma venda ou um bar pobre de beira de estrada. Porém a capa – vista de um
pedaço de cidade com seus edifícios e algo de um parque ou jardim se fundindo
na bruma – sugere serem os contos de O perfume de Roberta (Rio de
Janeiro, Garamond, 2005) de temática urbana. Assim, “Passarinho”, o drama do
nordestino que chega a São Paulo para trabalhar; “Oferta” e “O perfume de
Roberta”, aquele das meninas que se prostituem por um quase nada. Assim, a
revolta do mendigo, vítima da violência pelo furto praticado ou a procura vã
pelos seus direitos de quem foi preterido, injustamente, num concurso. Dilemas
do indivíduo (amor não correspondido, solidão) ou daqueles impostos pela
realidade do país (com suas desigualdades sociais e os cancros que delas
advém). Relatos em que a menção ao movimento do sol, do vento, do mar e aos
gestos dos personagens se insere em meio à ação e lhes determina o ritmo; em
que vozes narrativas, atendo-se ao que estão vendo, sabem, apenas em parte, o
que efetivamente acontece. Em “Ilhado”, o forasteiro na cidade, observa, de
longe, o encontro do casal e fica sem saber quem são, como vivem. No conto “O
cavalo”, o morador de um prédio acompanha, da varanda de seu apartamento, a
briga do casal numa casa vizinha. Ou vozes de quem, embora participando da
ação, não tem condições de saber de tudo que se passa, instaurando-se, então,
no relato, zonas de dúvidas. No conto “A morta”, há quem afirme a presença de
Suzana no quarto e há quem a negue. Há quem escute vozes na beira do rio e,
diante dessa afirmativa, quem afirme estar apenas falando sozinho.
Entre os dezoito contos que formam o livro,
muito breve e muito intenso o que tem por título “O último segredo”. É
construído num único parágrafo de frases curtas que se enlaçam pelas vírgulas
para contar o encontro da mãe com o filho morto em praça pública. Mãe e filho
em meio à presença dos curiosos, aos olhares dos que passam, ao som que anuncia
uma promoção de tesouras, ao luminoso do colégio que pisca. No desespero,
diante do irreversível, ela chora e grita, canta uma cantiga, encosta o rosto
no rosto do filho, procura sentir-lhe as mãos, os olhos. Como parte do
cenário,o menino que ri, a mulher que se olha no espelho, o velho que opina
sobre o morto, a foto que é feita, o carro de polícia que chega, o sargento que
procura escutar o que diz a mãe para o filho. No chão, tocos de cigarro,
formigas que já se apossam dos pés do morto e palavras que não são ouvidas. As
primeiras seqüências do relato dizem da mulher que se precipita – passa pelas pessoas, pede passagem,
corre, cruza o sinal, atravessa a praça – para chegar junto ao corpo caído do
rapaz. Ela está com o vestido frouxo, uma
só sandália. Ele, sujo e sem camisa,
o corpo cortado de rajadas, tem
barro grudado nas pernas, os cabelos duros e a mãe o chama de Joca. E, nada
mais é dado a ver, negando-se ao narrador – e ao leitor – o nome da mãe, a
maneira como ela vive, como soube da morte do filho, quem o matou e por qual razão,
as palavras ditas no seu ouvido nesse leito de morte que é o calçadão.
Rinaldo
de Fernandes, doutor em Letras e professor de Literatura na Universidade
Federal da Paraíba, estreou na ficção, em 1997, com O Caçador. Depois,
fez os textos da antologia Os cem melhores poetas brasileiros do século
(2001),
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