A primeira
edição, com data de 1995 e pela Editora Rio Fundo, do Rio de Janeiro, esgotou dois anos depois, Aquelas criaturas tão
estranhas foi, novamente, publicado pela Editora Manufatura de João Pessoa:
pequeno volume de agradável manuseio que reúne vinte e um contos de Geraldo
Maciel, engenheiro civil que se revela um exímio contador de histórias. Sua
galeria de personagens é instigante. Nela, embora alguns se abriguem, muito
bem, sob o título do livro – o pai e seus dois filhos se refugiando num lugar
inóspito, as três irmãs possuidoras de poderes misteriosos, Aldonário e suas
mágicas deploráveis, Lezama, o bonequeiro que, embriagado, destruía os seus bonecos – outros não estão longe dos
humanos que lhe serviram de modelo e, quer se queira ou não, ainda vicejam por
esse país afora: Adãozinho que, na cidade, exercia o férreo poder sobre várias
cabeças de gado e gente; o delegado que a enxaqueca fazia lembrar os
“serviços” que fizera; o velho Pompeu que a vida inteira trabalhou fazendo
estradas e se conforma com uma aposentadoria de três tostões furados; Agrípio que não conseguiu, pela miséria em
que vivera, criar os filhos que tivera; o preso por ter matado mulher e filhos
porque não podia, sequer, alimentá-los.
Obediência
filial, cobiça, o drama da mulher, relações amorosas inusuais, autoridade
arbitrária e desmedida, solidão, irreversível pobreza, ensejam relatos que
testemunham a realidade do país ou ultrapassam as fronteiras do real para se
aproximar do fantasioso de um moderno conto de fadas, para palmilhar caminhos
delineados pelo sobrenatural. Universos que se recriam numa expressão que
oscila entre o lirismo e a troça e se constrói com hábil e sutil manejo de um
conhecedor de seu ofício.
Vozes
anônimas como a da mulher do conto “Meus meninos” ou a do homem que “O que
posso lhe contar?” que uma vida paupérrima leva à situações extremas. O
sofrimento de quem deve – desgraça
silenciosa – comerciar o seu corpo. E disso não apenas ter grande pejo como
consciência de que é surrupiado de uma
outra vida quase tão miserável quanto a sua, esse dinheiro sebento e
amarrotado que recebe para não morrer de fome ainda que os bocados amarguem
a boca e façam marejar os olhos de
lágrimas.
Dirigida
a uma senhora que o fora visitar na cadeia, a confidência iniciada com a pergunta
que dá o título ao conto o que posso lhe
contar? que encadeia as outras: A
senhora conhece o interior? Já viveu
por lá? Sabe o que é uma seca? Repostas que ele mesmo dá e que se referem a
viver em chão alheio, em casa alheia, à injustiças, a trabalhar de sol a sol, de inverno a verão e comer pouco para não ficar devendo ao patrão. E, num crescendo, o testemunho de
uma sobrevivência na miséria: a fome, o acirrado desespero de ser incapaz de
supri-la, a louca decisão: A mulher me
olhou como quem já sabia o que eu ia fazer e tenho certeza que até pedindo para
que eu fizesse logo.
Contrapondo-se ao doloroso viver – martírio
sem redenção – que tais vozes, perturbadoras e terríveis, afirmam existir, as
seqüências que revelam situações tão descabidas que pareceriam uma invenção
trocista não fossem as já conhecidas trapalhadas com que os governos
subdesenvolvidos aquinhoam o seu povo: engenheiros do governo – Pensavam que a terra era um pedaço de papel
colorido e traçaram um risco preto de um
ponto a outro – a determinar, planejar, decidir tarefas e rumos, explicar
muito, para fazer uma estrada que resulta em nada. Porque os trechos se trespassaram com distância de
léguas. Uma turma foi detida quando, já na Bahía, se preparava para demolir uma
igreja que o imperativo da engenharia mandava demolir; uma outra turma
desapareceu num túnel que ela mesma escavou num paredão da serra de Borborema.
O grupo que abria caminho e piqueteava na vanguarda perdeu-se para sempre:
ultrapassou os limites do mapa do engenheiro. Só foi encontrado o grupo que
passou três anos trabalhando em círculos, atapetando de poeira os próprios
rastros e dando acabamento naquele moto perpétuo. Os engenheiros também nunca
mais apareceram.

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