domingo, 1 de janeiro de 2006

As escolhas do mestre


Em fevereiro de 1981, a Bruguera de Barcelona publicou Textos Costeños, primeiro volume da obra jornalística de Gabriel García Márquez, escrita entre o início de 1948 e o final de 1952. Três de seus contos já haviam saído no suplemento literário de El Espectador de Bogotá e ele cursava o segundo ano de Direito quando a Universidade de Bogotá foi fechada devido aos motins do dia 9 de abril de 1948. Foi, então para Cartagena no intuito de continuar o seu curso. O  encontro casual com o médico e escritor Manuel Zapata Olivella o levou até  a sede de El Universal, periódico recém fundado. Embora estivesse convencido de que o jornalismo não era a sua vocação, a teimosia do amigo, argumentando que Literatura e Jornalismo acabam por ser a mesma coisa, o fato de ser apresentado ao Chefe de Redação e, ainda, a nota publicada, anunciando-o como um colaborador que imperativos sentimentais haviam feito retornar à Costa Atlântica, de onde era oriundo,  o fizeram aceitar a tarefa. Então, a partir do dia seguinte, 21 de maio de 1948, até meados de novembro de 1949, seus textos, identificados pelas iniciais ou pelo nome completo, foram publicados sob a rubrica “Punto y aparte”, na quarta página do jornal. 

            No total, foram cento e trinta e oito artigos. Têm por assunto ou algum irrelevante fato do dia, como o nascimento de gêmeos na cidade, o cessar do toque de recolher, um espantalho caído, a presença dos helicópteros nos céus do país; ou breves perfis de tipos humanos que encontra: o homem com a cicatriz no rosto, o liberal morto pela polícia, os boxeadores,  o toureiro, o domador de leões. Também, comentários sobre poetas e romancistas, sobre cinema, sobre o tempo marcado pelo calendário, sobre o amor, a morte, a paz. 

            No primeiro artigo publicado, qualifica o silêncio imposto pelo toque de recolher na cidade de longo silêncio duro, concreto e grande, pesado, inexpressivo e se contrapondo ao bom silêncio elementar das coisas menores, descomplicado: esse silêncio natural e espontâneo carregado de segredos que passeia pelas sacadas. Maior, porém, que no acúmulo do adjetivo, é em relação a outros elementos da frase que se mostra a sua expressividade. Assim, também nesse artigo, se referindo ao som de clarinete que determinava o toque de recolher diz que ele se adiantava ao novo dia como outro galo grande, enganado e absurdo que tinha perdido a noção de seu tempo. Tais seqüências revelam, certamente, mais o literato do que o aprendiz de jornalista. No seu livro de memórias irá lembrar que esse texto fôra o relato subjetivo de um episódio pessoal e sem pretensão de ser um comentário jornalístico. No entanto, seja porque se ouviu a si mesmo, seja porque escutou de terceiros, no seu sexto artigo, irá falar de um novo, inteligente e estranho personagem que se incorporara à mesa de redação. Não lhe cita o nome e o descreve nos gestos senhoriais e nas palavras usadas em defesa do idioma e faz constar que a  caricatura que dele fez Hector Rojas Herazo, ficou pendurada num prego. E que, então, desse pedaço de papel ele sai para espiar por cima do ombro de quem escreve, no intuito de estabelecer a mais implacável campanha purificadora. E que, para ele, Gabriel García Márquez, diz que nunca aprenderá a escrever, aconselhando: Pare de bobagens e diga coisas que tenham substância. É preciso iniciar uma campanha contra a frondosidade lírica, eliminar essa adjetivação de duas por centavo. Um verdadeiro trabalho de sanidade literária. Conselho que, dado por um personagem real ou inventado, não foi, no entanto, muito levado a sério. Os adjetivos continuaram, como que imprescindíveis (restringindo, explicando, qualificando) a pontilhar seus textos embora, raramente, se mostrando na perfeição dos verdadeiros achados estilísticos.

 

 

 

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